quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Lixo Extraordinário – Rollerball

 

Análise Crítica – Rollerball

Review – Rollerball
Já falei de muitos filmes ruins nessa coluna, já me alonguei contando histórias de produções problemáticas e malucas (como o caso de The Room), mas nenhum dos filmes abordados até aqui foi tão ruim ao ponto de levar à prisão do diretor como aconteceu em Rollerball. Lançado em 2002, o filme era um remake de Rollerball: Gladiadores do Futuro (1975), estrelado por James Caan. A produção de 1975 adaptava um conto de William Harrison e era uma ficção científica distópica na qual em 2018 corporações controlavam o mundo, detinham todo o conhecimento, livros não mais existiam e a televisão era usada para alienar a população através do espetáculo violento do esporte conhecido como Rolleball, uma mistura de hockey e roller derby. O remake de 2002, por sua vez, teve uma produção extremamente conturbada e disputas entre o diretor John McTiernan e os produtores acabaram levando à prisão de McTiernan. Antes de analisar o que faz o filme ser tão ruim, é inevitável falar sobre os bastidores e tudo que deu errado.

 

Os bastidores

 

No início dos anos 2000 esportes radicais estavam na moda e a United Artists e MGM provavelmente pensou em capitalizar em cima disso revivendo uma propriedade conhecida ao fazerem um novo Rollerball. Antes da produção efetivamente começar, um roteiro vazou para jornalistas do meio do entretenimento, que publicaram análises sobre o material. Esse roteiro dobrava ainda mais a aposta no comentário político do filme original, situando a história no século XXV, com uma humanidade completamente á mercê das grandes corporações que achavam que o livre pensar atrapalhava a produtividade e, então, as pessoas não eram mais ensinadas a ler ou escrever. Todos viviam para trabalhar e a única válvula de escape era o violento esporte do Rollerball.

O problema é que esse roteiro vazado era uma versão inicial e o texto do filme já tinha passado por duas revisões depois que McTiernan assumiu como diretor do projeto. Para quem não conhece, o diretor é responsável por muitos filmes de ação da década de 80 e 90 como O Predador (1987), Duro de Matar (1988), Caçada ao Outubro Vermelho (1990) ou O Último Grande Herói. Ao ler a primeira versão do roteiro, McTiernan não gostou do foco político e de comentário social, pedindo revisões para que o texto focasse mais na ação já que, segundo ele, em uma entrevista dada ao Mr. Showbiz em 2000, as pessoas não vão ao cinema para ver sociologia e sim para ver gente se agredindo nesse esporte violento. A declaração por si só já mostra como ele era a pessoa errada para o projeto e não entendia o material que tinha em mãos ou a expectativa ao redor de um remake da produção de 1975, mas as ideias dele prevaleceram.

Quando um roteiro seguindo a visão do diretor ficou finalmente pronto, o estúdio liberou o texto para alguns veículos. Não é uma prática comum permitir que a imprensa tenha acesso a roteiros de produções que nem começaram a filmar, mas nesse caso imagino que fizeram isso para ajustar as expectativas de todo mundo, já que o material que iriam filmar era bem diferente do roteiro inicialmente vazado. Publicações como o Ain’t it Cool News e o IGN tiveram acesso a esse novo roteiro e toda a empolgação com o texto vazado foi pelos ares, com a nova versão do roteiro sendo massacrada pela imprensa.

Esse não foi o único dos problemas que o filme enfrentou. Depois de um primeiro corte que tinha cerca de duas horas e violência suficiente para adquirir uma classificação 16, o estúdio fez exibições teste que tiveram uma péssima recepção. O estúdio adiou a estreia de Rollerball em três meses e solicitou a McTiernan uma duração mais enxuta, uma suavização da violência para que o filme tivesse uma classificação mais baixa e alterações no final, já que o desfecho foi muito criticado nas exibições teste.

O problema é que o estúdio não estava disposto a ampliar o orçamento para que de fato fossem feitas refilmagens para recontextualizar os eventos do filme diante das alterações no final. Então ao invés de refazer alguns diálogos e mudar o que é dito, simplesmente cortaram todas as falas que não se encaixavam nos novos rumos da trama, o que explica o fato do filme ser cheio de cortes abruptos que fazem a montagem parecer amadora. Isso explica também toda a sequência de fuga no terceiro ato do filme ser toda com um estranho filtro de visão noturna. Aparentemente por conta do orçamento estar acabando, todo esse segmento foi filmado com material de baixíssima qualidade e para disfarçar isso colocaram o filtro de visão noturna e mesmo com esse ardil tudo ainda parece como imagens em baixa resolução. É uma mudança tão bizarra e sem sentido dentro do regime estético do filme que cinemas nos EUA colocaram avisos nas bilheterias de que isso era uma escolha do filme e não um defeito ou falha da cópia exibida.

 

A prisão do diretor

 

“Mas o que causou a prisão de McTiernan?” vocês perguntam. Bem, tem tudo a ver com esse processo de reedição e refilmagem. Meses depois do filme ter estreado como um retumbante fracasso de crítica e público, o diretor se tornou alvo de uma investigação federal. Essa investigação acontecia como desdobramento da prisão de Anthony Pellicano, um investigador particular e operativo empregado por altos executivos de Hollywood para resolver seus problemas. Pellicano respondeu a cerca de 110 acusações criminais que variavam de invasão a domicílio, intimidação de testemunhas, estelionato, fraude financeira e uso de escutas telefônicas ilegais.

Durante a investigação do FBI às centenas de horas de fitas e transcrições de conversas telefônicas gravadas ilegalmente por Pellicano, John McTiernan foi entrevistado pelos agentes por conta do diretor ter contratado anteriormente os serviços do investigador. Em depoimento ao FBI McTiernan afirmou que nunca contratou nenhum tipo de colocação de escuta, nem que Pellicano lhe oferecera esse tipo de serviço. O problema é que o diretor mentiu e o FBI sabia. No material confiscado no escritório de Pellicano, o FBI obteve gravações do investigador conversando com McTiernan sobre a colocação de escutas. Especificamente eles discutiam o fato de Pellicano estar ilegalmente grampeando os telefones de Charles Roven, o produtor executivo de Rollerball.

O motivo de grampear Roven se daria porque ele e McTiernan discordavam dos rumos do filme e diante de toda negatividade ao filme mesmo meses antes do lançamento (como nas reportagens sobre o roteiro) o diretor supostamente estaria paranoico achando que Roven agia de maneira deliberada para afundar sua carreira e destruir sua reputação junto ao estúdio e a outras produtoras. Depois de um longo processo (lembrem que tudo isso começou em 2002), McTiernan foi condenado em abril de 2013 a pagar uma multa de 100 mil dólares e uma sentença de um ano em uma prisão federal. Desde o início da investigação o único filme dirigido por McTiernan foi Violação de Conduta (2003) e após sua saída da prisão ele dirigiu alguns curta-metragens live action para o game Ghost Recon Wildlands. Em outubro de 2022 foi anunciado que McTiernan voltaria a dirigir um longa metragem. Intitulado Tau Ceti Foxtrot seria uma ficção científica de ação, mas de lá para cá não consegui achar nenhuma nova informação sobre o filme nem se ainda está em produção.

 

O filme

 

Tudo bem, tudo bem, a produção do filme foi uma bagunça, o diretor pirou no próprio ego e paranoia cometendo um crime federal, mas até agora não falei do filme e o que faz ele ser tão ruim. Pois bem, faremos isso agora.

Ao contrário da versão de 1975 que se passava num futuro cerca de 50 anos adiante, o filme se passa em um futuro próximo ao da produção de 2002, em 2005. Todo o subtexto político de dominação corporativa e alienação do trabalhador está ausente. Ao invés disso, seguimos Jonathan (Chris Klein), um jogador de hockey de ligas menores que passa seu tempo em corridas ilegais. Um dia Jonathan reencontra Ridley (LL Cool J), um antigo colega de time que lhe propõe ir com ele para a Ásia central participar do time dele em um novo e violento esporte chamado Rollerball. Lá Jonathan começa a se destacar na modalidade, chamando a atenção de Petrovich (Jean Reno), o magnata russo que criou o esporte. O protagonista também se apaixona por Aurora (Rebecca Romijn) e juntos eles começam a perceber o esquema de manipulação de resultados e intimidação de jogadores feito por Petrovich.

É uma trama banal de corrupção esportiva que não tem nada a dizer sobre o tema, sobre comunicação de massa ou entretenimento como forma de direcionamento da opinião pública. Os diálogos e situações mal conseguem fazer sentido por conta das várias mudanças no corte final, com vários cortes bruscos claramente pulando pedaços de conversas entre os personagens. O romance entre Jonathan e Aurora parece acontecer por pura imposição de roteiro e cena de sexo entre eles é uma das coisas mais frígidas que já vi em um produto ficcional.

Claro, a pobreza da trama poderia ser relativizada com o dado de que McTiernan não se importava com nada disso e queria fazer um filme de ação. A questão é que mesmo olhando o filme sob esse prisma não sobre muito para aproveitar. A corrida de Jonathan no início é possivelmente o único momento de adrenalina, já que daí em diante temos um monte de cenas de ação ruins e sem impacto. A trama tenta nos convencer de que Rollerball é um esporte ultra violento, mas a ação nunca nos permite sentir de fato essa brutalidade (em parte pelas concessões necessárias para uma classificação indicativa baixa).

A ação também sofre de uma montagem picotada que nunca dá uma dimensão clara dos movimentos dos jogadores dentro da arena e o uso de uma computação gráfica pouco convincente (mesmo para a época em que foi lançado). Isso ainda piora em comparação com o original, em que tudo foi feito com efeitos práticos, com atores e dublês, dando uma sensação muito maior da brutalidade e da lógica de funcionamento do jogo. Fora das partidas a única outra grande cena de ação é a citada tentativa de fuga de Jonathan e Ridley toda feita em um filtro tosco de visão noturna que faz tudo parecer borrado e desinteressante.

Nenhum personagem tem tempo ou material suficiente pare desenvolver qualquer senso de personalidade ao ponto de fazer o espectador se importar com qualquer coisa aparecendo em cena. O vilão vivido por Jean Reno deveria ser um sujeito ameaçador, sempre um passo à frente dos protagonistas, mas é tão exagerado e caricato se torna fonte de risos ao invés de tensão.

A verdade é que nada funciona em Rollerball e se parte da culpa vem das imposições do estúdio é também difícil não ver que a condução de John McTiernan e sua decisão de esvaziar o subtexto do material original reduzindo tudo a uma ação acéfala e sem impacto também contribui para que o produto final seja uma bagunça inane.


Trailer

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