segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Crítica – Besouro Azul

 

Análise Crítica – Besouro Azul

Review – Besouro Azul
O ano de 2023 não tem sido bom para a DC com os fracassos de Shazam: Fúria dos Deuses e The Flash. Fui assistir Besouro Azul sem esperar muita coisa e o resultado me deixou positivamente surpreso. Sim, é uma história de origem relativamente quadrada, mas que conquista pelo carisma de seus personagens. Sem mencionar que ao contrário de produções como Adão Negro (2022) ou o segundo filme do Shazam, a Warner entendeu que não dá para colocar orçamentos altíssimos em personagens que não são tão conhecidos e com modestos 105 milhões de orçamento, Besouro Azul tem chance de ser lucrativo.

A trama é centrada em Jaime Reyes (Xolo Maridueña, o Miguel de Cobra Kai) um jovem recém formado que retorna a sua cidade natal, Palmera City, na esperança de conseguir um bom emprego e ajudar sua família. Ele tenta trabalhar nas Indústrias Kord, a mais prestigiosa companhia da cidade, mas acaba se envolvendo em uma disputa entre Victoria Kord (Susan Sarandon), a atual presidente da empresa, e Jenny (Bruna Marquezine), filha do antigo CEO Ted Kord. Jaime acaba de posse de um escaravelho alienígena que se funde com seu corpo e lhe dá poderes especiais, mas isso o coloca na mira da implacável Victoria. Agora Jaime precisa da ajuda de Jenny e de sua família para compreender suas novas habilidades e dar um fim à ameaça.

É uma trama de origem de super-herói que não faz muito para sair da estrutura familiar desse tipo de história, com o personagem adquirindo poderes, lutando para entender o que está acontecendo e precisando dominar suas habilidades para enfrentar uma ameaça. O que faz o filme se elevar para além desses lugares comuns é a atenção dada à família de Jaime e a dinâmica entre eles.

Ao centrar a trama em uma família de imigrantes mexicanos, a narrativa pondera sobre como o mítico “sonho americano” não está ao alcance de todos. Jaime é o primeiro de sua família a obter um diploma universitário e com isso tem a esperança de mobilidade social para si e sua família. A realidade, no entanto, é que ele só encontra os mesmos empregos que teria mesmo sem um diploma, mostrando como pessoas como ele são relegadas a um lugar específico da sociedade. A cidade de Palmera é um reflexo dessa desigualdade, com o centro cheio de arranha-céus e luzes neon, denotando progresso e modernidade, enquanto a periferia na qual Jaime é constituída de casas degradadas pelo tempo que não parecem gozar da mesma modernidade que as partes nobres da cidade.

Mais que isso, quando o progresso vem esse avanço não é para pessoas como Jaime e sua família, já que empresas como a Kord simplesmente tomam os imóveis para construir habitações de luxo e empurram as populações periféricas ainda mais ao centro. Com isso a narrativa instila no universo habitado por Jaime um senso de realismo social que nos conecta com as dificuldades de sua família porque reconhecemos isso como parte de nosso mundo.

Para além da construção do ambiente, o que nos mantem investidos é a dinâmica entre Jaime e sua família. Contando com atores latinos experientes como a veterana de novelas Adriana Barraza que faz a avó de Jaime ou o comediante George Lopez como o paranoico tio Rudy, o elenco nos convence da conexão afetiva daquelas pessoas e de como eles são uma unidade familiar que já se acostumou a lidar em conjunto com os problemas. O filme consegue dar a cada membro da família seu momento para brilhar e personalidades bem marcadas o suficiente para que entendamos o que move cada um deles, rendendo momentos de emoção e de comédia.

É difícil, por exemplo, não se emocionar com o momento em que o pai de Jaime sofre um infarto depois que a casa deles é atacada pela polícia a mando de Victoria. Como mencionei antes, a cena funciona tanto porque o texto nos deu tempo para sentirmos a conexão que há entre Jaime e o pai, mas também porque a maneira como o diretor Angel Manuel Soto filma essa ação de brutalidade policial remete a tantas ações brutais que já vimos a polícia do mundo real cometer contra populações periféricas.

A Jenny de Bruna Marquezine inicialmente soa como um mero veículo para exposição sobre a trama e o escaravelho, porém conforme Jenny se integra ao cotidiano da família Reyes e à luta contra Victoria a personagem vai ganhando mais contornos e se torna mais interessante em sua jornada para lidar com o legado complicado da família. De início Victoria tem motivações compreensíveis para agir como a megera implacável que é, tendo sido preterida no cargo de executiva a vida inteira por ser mulher. Susan Sarandon claramente está se divertindo horrores interpretando alguém que parece se deliciar em exercer poder sobre outros.

A questão é que conforme o plano de Victoria vai se tornando claro e suas ações se tornam mais extremas, o ressentimento do passado não soa o bastante para justificar sua desumanidade genocida e ela se torna aquele tipo de vilã que é má simplesmente porque é isso que a trama quer dela. Carapax (Raoul Max Trujillo) inicialmente soa como um capanga de luxo de Victoria e uma espécie de reflexo sombrio do que Jaime poderia se tornar caso deixasse de lado a preocupação com a família e buscasse apenas o que é melhor para si. Perto do final o texto até tenta dar mais nuance a ele e sua relação com Victoria, mas é muito pouco e muito tarde para que o desfecho dos dois vilões tenha o devido impacto.

O filme também suaviza um pouco a conduta do escaravelho Khaji-Da (voz de Becky G), que aqui é mais benevolente do que as outras versões dele em quadrinhos e animações e cujas sugestões diretas e agressivas a Jaime geravam comicidade por contrastarem com a personalidade do herói. Sim, aqui ainda há comédia no modo como Jaime lida com o escaravelho e a primeira transformação de Jaime é digna de um filme de horror corporal, porém, o escaravelho é menos uma entidade que Jaime precisa colocar em xeque e convencer que seu jeito é melhor e mais uma aliada que tenta ver as coisas pelo lado de Jaime, tirando um pouco da tensão entre ambos.

As cenas de ação são criativas em explorar as possibilidades do escaravelho em criar todo tipo de arma maluca em embates que funcionam também pela escolha de usar efeitos práticos sempre que possível incluindo o próprio traje do herói. Considerando que é um material que constantemente muda de forma seria fácil se entregar à tentação de fazer um traje de computação gráfica (como o desastroso Lanterna Verde), mas a escolha de fazer um traje de verdade, com um visual que mistura elementos tecnológicos com texturas de tecidos orgânicos, ajuda a dar uma materialidade e credibilidade maior ao herói. Sim, o filme tem muitos momentos de computação e, em geral, elas são mais convincentes do que tomadas em filmes de herói recentes com o dobro ou triplo do orçamento. Algumas cenas de ação divertem também pelo uso dos apetrechos pitorescos criados pelo falecido pai de Jenny, como um chiclete que serve de proteção ou a luva que a irmã de Jaime usa durante a invasão à base de Victoria.

Assim, mesmo sendo uma história de origem relativamente quadrada, Besouro Azul se eleva dos clichês pela construção afetuosa da dinâmica familiar do protagonista que nos envolve com seu humor e emoção.

 

Nota: 7/10


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