quinta-feira, 18 de maio de 2023

Crítica – Air: A História Por Trás do Logo

 

Análise Crítica – Air: A História Por Trás do Logo

Review – Air: A História Por Trás do Logo


Hollywood sempre fez filmes com histórias de sucesso e empreendedorismo. Produções que reafirmavam a ideia de meritocracia estadunidense de se você trabalhasse duro, você alcançaria a prosperidade financeira. É curioso, portanto, como de uns tempos para cá a indústria tem feito filmes não sobre pessoas, mas sobre produtos. No início do ano tivemos Tetris e agora este Air: A História Por Trás do Logo. Talvez a indústria tenha percebido o desencanto das pessoas com o estado atual do capitalismo, como muito não acreditam (inclusive por sentirem cotidianamente) que seus esforços profissionais não estão sendo devidamente compensados.

Talvez essas histórias sobre produtos, longe dos mitos de meritocracia seja uma maneira de voltar a encantar o espectador com as maravilhas do capitalismo sem tocar em pontos que o público possa não ter adesão. Isso somado ao fator nostalgia, de um apelo ao passado e tempos em que éramos mais novos e menos cínicos em relação ao mundo, visto que produções como Tetris ou Air se passam nas décadas de oitenta.

O filme se passa em 1984, sendo protagonizado por Sonny (Matt Damon) um profissional do basquete universitário que é contratado pela Nike para revitalizar a divisão de basquete da empresa, já que eles tem a menor fatia de mercado no esporte entre as grandes marcas esportivas. A diretriz da empresa é espaçar o pouco orçamento em um punhado de jogadores, algo que Sonny percebe que nunca dará a eles a exposição para despertar interesse na marca. Assim, o protagonista monta uma estratégia ousada, investir tudo em um único jogador, um novato que saiu do basquete universitário para a NBA e que carrega enorme potencial: Michael Jordan. Para assinar Jordan, no entanto, Sonny precisa negociar com a arguta mãe do jogador, Deloris (Viola Davis).

Matt Damon dá credibilidade à paixão de Sonny pelo esporte do basquete e a capacidade analítica e empática que ele tem pelos jogadores. Sonny entende os problemas e desigualdades do mundo do esporte e, talvez por isso, tenha vontade de tentar algo para mudar as coisas. Talvez seja esse ímpeto reformista que faz a Sra. Jordan prestar atenção em Sonny e não nas outras gigantes do esporte, já que enxerga nele a possibilidade de fazer algo diferente. Viola Davis faz da Sra. Jordan uma mulher simples, mas assertiva em sua fala e que sabe exatamente o valor e potencial do filho que tem, não aceitando menos do que considera justo.

Apesar das negociações entre eles funcionarem como uma inteligente disputa de argumentos, o texto é inteligente em nunca colocá-los como antagonistas. Os dois personagens percebem que é um com o outro que tem que lutar, mas com uma certa mentalidade do capitalismo corporativo. Não é a toa que de um lado o filme mostra como Sonny estava certo em suas previsões sobre a trajetória de Michael, com a montagem trazendo imagens de arquivo que ilustram o que o futuro de fato trouxe para o atleta. Do outro revela como a Sra. Jordan estava certa em sua previsão sobre a Nike ceder direitos a royalties dos sapatos para Michael não por benevolência ou justiça, mas por ganância, por verem o quanto Michael traria de dinheiro para eles. Sonny e Deloris se dão bem porque ambos compreendem exatamente como as instituições midiáticas e corporativas tratam e exploram os atletas e apesar do desejo de mudança, não tem qualquer ilusão em relação ao que motiva os cabeças dessas instituições.

Nesse sentido, apesar de uma postura reformista e de momentos em que o filme flerta com um certo anticorporativismo, em muitos momentos ele soa incomodamente como uma grande peça de branded contente corporativo. O modo como o diretor Ben Affleck divide a trama em segmentos que são nomeados pelos valores corporativos da Nike, como que sinalizando que tudo foi feito seguindo as belas e nobres aspirações dessa corporação milionária demonstra uma vontade de humanizar a empresa e valorizar a visão dela, sendo que tudo partiu mais de um individuo que sequer era valorizado pela empresa. Incomoda também o maniqueísmo simplório em relação às rivais, principalmente a dicotomia clichê que cria com a Adidas, se apoiando na velha oposição entre o estadunidense simples e trabalhador com o europeu esnobe.

Some-se isso aos diálogos sobre o fundador da Adidas ter ligação com o nazismo (o que é verdade) sendo que isso não tem lá muita pertinência para a história sendo contada aqui, a impressão é que o filme tem a clara intenção de posicionar a Nike como uma empresa técnica e moralmente superior. Outro incômodo é o fato de nunca vermos ou ouvirmos Michael. Embora o filme fale o tempo todo como o Air Jordan foi construído como um reflexo do atleta que ele era, o personagem é praticamente invisível ao ponto que o espectador não tem como ver de que maneira a personalidade é manifesta no calçado. Ele é um acessório de si mesmo, um coadjuvante na própria história, uma engrenagem na máquina corporativa de fazer dinheiro. Talvez a ideia de não mostrá-lo era manter uma certa mítica desse atleta diferenciado, alguém tão genial que seria impossível compreendê-lo ou sondá-lo, mas o resultado é que Jordan acaba sendo reduzido a um nome para valorizar um tênis, não o contrário como o filme declara inúmeras vezes.

Assim, Air: A História Por Trás do Logo envolve por sua curiosa história de bastidores e pelo trabalho de Matt Damon e Viola Davis, mas o material não parece se decidir entre uma crítica à exploração de atletas ou uma celebração de como o capitalismo os usa.

 

Nota: 6/10


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