segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Crítica – Men: Faces do Medo

 

Análise Crítica – Men: Faces do Medo

Review – Men: Faces do Medo
Desde que estreou como diretor no excelente Ex Machina (2014), os filmes de Alex Garland de algum modo tocam em questões de identidade. Na sua estreia na direção era sob uma forma de vida artificial construindo sua própria personalidade, em Aniquilação (2018) era sobre como seria possível manifestar individualidade quando nossas existências são uma soma de experiências e interações que se mesclam de maneira indissolúvel. Em Men: Faces do Medo ele explora não apenas a ideia de masculino no coletivo, mas como esse contato com a coletividade masculina impacta em sua protagonista.

Na trama, Harper (Jesse Buckley) aluga uma enorme casa no interior da Inglaterra para espairecer a mente depois da morte do marido. Após ser recebida pelo excêntrico proprietário, Geoffrey (Rory Kennear), Harper começa a ficar a vontade na propriedade, mas logo um homem estranho tenta invadir o local e isso mexe no modo em como ela lida com o restante dos homens da pequena vila (todos com o mesmo rosto) e com as memórias do marido.

A primeira hora constrói as tentativas de Harper em se conectar com aquele lugar, através de uma caminhada pela mata sentimos como o contato com a natureza afasta temporariamente suas preocupações e como ela brinca com o eco da própria voz em um túnel vazio. Aos poucos porém, os eventos estranhos criam uma atmosfera de constante tensão e estranhamento, conforme indagamos a respeito do que está acontecendo.

Muito dessa atmosfera vem da sinistra trilha musical composta por Geoff Barrow e Ben Salisbury que inclusive é cheia de ecos de voz e dissonâncias. Menciono a questão dos ecos porque isso também está presente na visualidade com o fato de todos os homens serem Rory Kennear, como se eles não existissem enquanto indivíduos, mas como ecos da experiência de Harper com homens que uniformizam esses sujeitos em uma espécie de única criatura que representa um coletivo.

Seria fácil reduzir toda a questão a generalizações de que “homem é tudo igual”, mas o texto de Garland não se reduz a esses simplismos, entendendo a ideia de ser homem como algo socialmente construído, tratado como norma e que a obrigatoriedade de se adequar a essas expectativas de “ser homem” é danosa também para os próprios homens. Isso fica evidente a partir da meia hora final, quando o filme parece entrar no terreno de um típico slasher e vira esses elementos do avesso conforme o assassino ou monstro vai se tornando cada vez mais patético enquanto o filme envereda por um horror corporal que parece saído direto de uma obra do David Cronenberg.

O desfecho, inclusive, ressalta o ponto sobre identidade (ou falta de) em uma masculinidade que ecoa outras, com homens idênticos literalmente sendo paridos um após o outro até finalmente chegar no marido de Harper, como se ele fosse apenas mais um nessa massa disforme de homens feitos para serem iguais. Homens moldados para reproduzir as performances de masculinidade de outros homens usando essas noções de masculinidade para se fecharem aos próprios sentimentos, adotando condutas tóxicas e possessivas com mulheres pela simples impossibilidade imposta por esses padrões de masculinidade em externarem seus sentimentos e assumirem que desejam afeto.

Com uma competente atmosfera de tensão e imagens perturbadoras, Men: Faces do Medo é um hábil estudo sobre identidade e trauma de gênero.

 

Nota: 8/10


Trailer

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