terça-feira, 26 de outubro de 2021

Crítica – Duna

Análise Crítica – Duna


Review – Duna
Eu lembro quando li Duna ainda no início do ensino médio em 2003. Fiquei impressionado como uma narrativa escrita em 1965 podia dizer tanto sobre o mundo em que eu vivia naquele momento. Guerras travadas em países desérticos em prol de uma substância essencial para o transporte. Grupos de fanáticos religiosos emergindo desses locais declarando guerra santa aos invasores. A trama de ambientalismo, messianismo, intriga política e dominação religiosa criada por Frank Herbert parecia ter feito exatamente o que se espera de uma boa ficção-científica: ter vislumbrado o futuro.

Só depois de já ter lido o livro que conheci a adaptação para o cinema de 1984 dirigida por David Lynch e fiquei extremamente decepcionado (houve também uma série de televisão que é muito ruim), Então quando foi anunciada uma nova adaptação feita por Denis Villeneuve, que já tinha trazido um novo vigor a Blade Runner em Blade Runner 2049 (2017), fiquei animado por um filme que finalmente fizesse justiça à obra de Frank Herbert e o diretor entrega exatamente isso. Sim, muitos elementos da narrativa soam batidos para um olhar contemporâneo, mas isso acontece mais porque Duna foi uma obra extremamente influente e consumimos várias narrativas influenciadas por ele do que por um trabalho sem personalidade ou derivativo.

A trama se passa em um futuro distante, com o universo conhecido governado por um império e dividido em várias casas aristocráticas. A Casa Atreides está ganhando poder e recebe do imperador a incumbência de gerenciar o hostil e desértico planeta Arrakis, o único do mundo em que se produz “a especiaria”, elemento que torna possível viagens intergalácticas. O duque Leto (Oscar Isaac) vai para o planeta acompanhado de sua família, a companheira Lady Jessica (Rebecca Ferguson) e o filho Paul (Timothee Chalamet), além de seus conselheiros. Lá ele tenta criar um governo mais justo do que o dos cruéis Harkonnen, que gerenciavam o planeta antes dele, mas o barão Harkonnen (Stellan Skarsgard) não está disposto a abrir mão do planeta. Em meio a isso tudo, Paul tem sonhos com a ruína de sua família e com uma misteriosa garota que faz parte dos nativos que vivem no deserto.

O filme consegue criar um universo que soa vivo, que existia antes da história começar e continuará existindo depois que ela encerrar. Vemos as múltiplas maquinações das casas reais, as intrigas e superstições plantadas pela seita na Bene Gesserit e as consequências a longo prazo da colonização de Arrakis para nos nativos fremen. Eu falei no início que quando li o livro pela primeira vez pensei em um paralelo com o mundo no início do século XXI, mas todas as disputas por colônias e ideias sobre opressão colonial também podem servir como um paralelo para a violência perpetrada por países europeus na África e na Ásia durante o período colonial (e que persistem até hoje).

Visualmente o filme impressiona em como os objetos e locações conseguem soar simultaneamente alienígenas e mundanos. É o tipo de produção que encanta por nos fazer acreditar de que todo aquele universo poderia de fato existir, um feito que muitas produções almejam, mas poucas conseguem (como a trilogia O Senhor dos Anéis). Da vastidão da natureza de Caladan, passando pelo deserto hostil de Arrakis ou a arquitetura opressiva dos Harkonnen, cada espaço tem uma identidade própria.

É o tipo de narrativa em que seria fácil simplesmente ser grandiloquente e encadear grandes cenas de ação uma depois da outra, no entanto, a condução de Villeneuve não se deslumbra com todo o aparato tecnológico ao seu redor e mantem tudo focado em seus personagens. O que importa aqui é entender as maquinações de uma corte corrupta que deseja manter a riqueza e poder político à qualquer custo, bem como os modos como organizações religiosas plantam crenças sobre messias apenas para tentarem tomar o poder. Como o ser humano viola e rouba da natureza ao invés de tentar viver em comunhão com ela.

A montagem ajuda a nos deixar imersos na mente de Paul, que cada vez mais, conforme é exposto à especiaria, expande a consciência e parece ver simultaneamente passado, presente e futuro de um jeito tão desorientador que ele tem dificuldade em distinguir a realidade. As tomadas de imagens da natureza ou do deserto inseridas durante o fluxo de consciência do protagonista contribuem para comunicar a conexão de Paul com o planeta e as forças primordiais do universo.

Nesse sentido, Timothee Chalamet é competente em mostrar como Paul vai se tornando cada vez mais confiante em suas habilidades, começando como um jovem petulante e, aos poucos, entendendo seu papel em todos aqueles eventos e assumindo de maneira estoica a condição de messias profetizado que foi construída para ele. O resto do elenco é igualmente competente, da benevolência e empatia do duque Leto de Oscar Isaac, passando pelo equilíbrio entre brutalidade e sensibilidade que Josh Brolin dá a Gurney e o senso de proteção feroz que Rebecca Ferguson dá a Lady Jessica.

A música de Hans Zimmer é outro destaque. Com composições que pendem a algo não melódico que causa estranhamento, à intensidade de batidas percussivas que pontuam as cenas no deserto com a presença dos vermes da areia. Ocasionalmente a música também traz vocais de corais que evocam algo que remete a um transe religioso, dialogando com o êxtase da expansão de consciência de Paul ou da realização daqueles ao redor do garoto de que ele pode ser o messias profetizado.

O filme, no entanto, constrói um clímax que nunca chega por conta da divisão em dois. Eu entendo a divisão considerando a complexidade do livro de Herbert, o problema é a estratégia da Warner para tal. Ao invés de filmar as duas partes simultaneamente como o segundo e o terceiro Matrix, a trilogia O Senhor dos Anéis ou as duas partes de Harry Potter e as Relíquias da Morte, o estúdio fez essa primeira parte sem sequer um roteiro ou cronograma de produção para o segundo filme. É uma estratégia similar ao que o estúdio fez com It: A Coisa (2017) no qual a realização da segunda parte ficou dependente do primeiro. A diferença, no entanto, é que o primeiro It tinha um desfecho que poderia funcionar por si mesmo como um final caso não houvesse uma continuação. Em Duna, porém, estamos diante de uma trama única dividida em duas, com a possibilidade de que a história fique incompleta caso o estúdio não decida fazer a segunda parte, o que é muito preocupante.

Duna é uma ótima adaptação da seminal obra de Frank Herbert, fazendo jus ao complexo universo e aos temas de colonização, meio ambiente e dominação religiosa. Agora é esperar que a Warner decida fazer o resto da história.

 

Nota: 8/10

Trailer

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