quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Rapsódias Revisitadas – Torre das Donzelas

Análise Crítica – Torre das Donzelas

O Brasil nunca passou plenamente à limpo o período da ditadura militar. Nunca confrontamos diretamente o que aconteceu naquele momento da nossa história tampouco conseguimos resgatar ou trazer à tona os eventos que foram ocultados e enterrados. Essas lacunas na memória do período e ausência reverberam ainda hoje e são parte das razões de nos últimos anos termos visto a ascensão de negacionistas históricos a altos cargos de poder.

Este Torre das Donzelas toma para si a tarefa de reconstruir parte dessas memórias do período da ditadura e violações cometidas pelo regime ao contar a história de mulheres que foram presas e torturadas nesta época. O filme conta a história de detentas do Presídio Tiradentes, apelidado de Torre das Donzelas justamente por ser um presídio feminino.

O documentário ouve diferentes ex-detentas do local, inclusive a ex-presidente Dilma Roussef, transformando o testemunho dessas mulheres no principal meio de reconstrução desse passado ausente do qual não há registro formal. Durante os testemunhos vemos como a memória não se apresenta apenas na fala das entrevistadas, mas também em seus corpos, no modo como elas reagem quando entram no espaço vazio de ficavam suas antigas celas. As vozes embargadas, as inflexões tremidas presentes em momentos que mencionam algumas das experiências mais traumáticas mostram como elas ainda carregam consigo as marcas do passado.

É, inclusive, muito significativo que o filme opte por iniciar falando sobre a demolição do presídio, um signo do abandono do passado, da tentativa de enterrar e levar ao esquecimento do que foi feito ali. Paradoxalmente, a sobrevivência daquelas mulheres diante da ruína do espaço no qual suas vidas ficaram em risco é também um símbolo da sobrevivência dos ideais e projetos políticos delas diante da truculência da ditadura militar que jaz em ruínas ao redor das personagens.

Além dos testemunhos, o filme recorre a cenas com atrizes para ilustrar alguns elementos do cotidiano das protagonistas e como essas mulheres tentavam criar algum senso de normalidade dentro da prisão ao costurar, se arrumarem para eventuais visitas, estudarem umas com as outras aproveitando os conhecimentos de cada uma e até improvisar um concurso de beleza. As encenações recorrem imagens turvas, fragmentadas, como que para representar a natureza fabular e lacunar da memória. Logicamente o tempo na prisão não foi nenhum passeio e elas falam também das torturas, das estratégias que usavam para se manterem sãs ou para não delatarem outras pessoas, além do temor de saber que não houve qualquer documentação da prisão inicialmente e que elas poderiam ser mortas sem que ninguém soubesse o que aconteceu.

Mostrando a dor e também o esforço de encontrar alguma leveza e esperança no cárcere, Torre das Donzelas é uma importante e impactante rememoração de um passado que não pode ser esquecido.


Trailer

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