quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Crítica – Os 7 de Chicago

 

Análise Crítica – Os 7 de Chicago

Review – Os 7 de Chicago
Em 1962 John F. Kennedy disse em um discurso algo que em português poderia ser traduzido como “aqueles que fazem revoluções pacíficas serem impossíveis, tornam revoluções violentas inevitáveis”. Essa frase não está ligada aos eventos reais retratados neste Os 7 de Chicago, produção da Netflix escrita e dirigida por Aaron Sorkin, mas veio à minha mente em alguns momentos durante o filme.

A trama narra os eventos reais do julgamento de sete líderes de movimentos contra a Guerra do Vietnã, presos sob a acusação de terem incitado a multidão contra a polícia de Chicago durante um protesto que terminou de maneira violenta. Chamados de “os 7 de Chicago”, o julgamento do grupo teve alta cobertura da imprensa e chamou a atenção pelo modo como muito do devido processo legal era jogado pela janela apenas para condená-los.

O estilo de Sorkin já se manifesta na montagem inicial que traz imagens de arquivo sobre os protestos contra o Vietnã que já aconteciam anos antes dos eventos em Chicago. Imagens de Martin Luther King e Robert Kennedy discursando contra a guerra são abruptamente interrompidas por uma tela preta acompanhada pelo som de tiros para nos lembrar que eles foram assassinados e denotar o silenciamento das vozes que se manifestavam contra o Vietnã. A ideia parece associar como esse sistemático esforço de suprimir vozes e ações contra a guerra desembocaram nos protestos de Chicago.

Depois dessa breve montagem, o filme nos apresenta a cada um dos sete conforme eles planejam as ações em Chicago, muitos deles explicitamente falando que o objetivo deles é uma demonstração pacífica de indignação. Daí o filme pula diretamente para o julgamento, nos mostrando o que aconteceu no dia dos protestos de acordo com a evolução do julgamento.

A narrativa toma certas liberdades com os eventos do julgamento, ocasionalmente apresentando-os fora da ordem real e outras vezes exacerbando alguns deles, mas isso não acontece por mero excesso, soando como fruto de uma decisão deliberada. Os excessos de interjeições exaltadas, de discussões entre as partes, de gestos e falas feitas de modo histriônico parecem propositais para dar um tom de exagero farsesco aos procedimentos, como que para revelar a farsa política real que foi o julgamento. A intenção parece ser a de mostrar todo o julgamento como um teatro hiperbólico feito para dar a impressão de um processo jurídico legítimo a uma farsa governamental realizada para descartar de pessoas que o Estado não gostava.

Essa impressão do julgamento como farsa é também reforçada pelo modo como muitas cenas de tribunal são intercaladas por cenas do ativista Abbie (Sacha Baron Cohen), um dos sete, fazendo stand-up comedy comentando sobre os eventos dos protestos, reduzindo esses acontecimentos e o próprio julgamento a uma comédia do ridículo. O trabalho de Cohen como Abbie, inclusive, surpreende pelo modo como permite ao ator demonstrar seu alcance, conseguindo transitar em uma mesma cena entre o exagero cômico e a seriedade conforme Abbie sai de contar uma piada para falar sobre democracia e liberdade de expressão.

Na verdade, todo o elenco é muito competente, funcionando tanto isoladamente quanto em grupo. Além de Cohen é possível destacar o trabalho de Eddie Redmayne em uma performance extremamente discreta como Tom Hayden, o mais pragmático dos sete, cuja abordagem racionalista da situação muitas vezes entra em conflito com a postura mais idealista do resto do grupo, em especial Abbie e Jerry (Jeremy Strong). A revelação próxima ao final envolvendo Tom e seu papel na explosão das tensões entre polícia e manifestantes impacta por nos mostrar como a situação era tão brutal que fez até o mais moderado dos ativistas perder a cabeça, o que remete justamente à fala de Kennedy que trouxe no início do texto.

A ideia de Sorkin ao contar essa história e a visão dele sobre esses acontecimentos é de que o confronto entre manifestantes e polícia aconteceu justamente devido a um processo de supressão, intimidação e silenciamento que tinha começado anos antes dos protestos em si. É como se aquelas pessoas tivessem ficado fartas de serem caladas, ignoradas ou brutalizadas e, diante da realização de não poderiam realmente se manifestar pacificamente resolveram ir para cima das autoridades.

Além de falar sobre supressão de dissidências, o filme também trata da fragilidade do pacto social democrático. O processo e a maneira autoritária como o juiz Hoffman (Frank Langella) profere suas resoluções e continuamente nega pedidos da defesa sem justificar suas ações em qualquer base legal demonstram como a democracia pode ser facilmente revertida em uma autocracia se aqueles que detêm o poder não tem qualquer respeito ou apreço pelas regras do processo democrático ou jurídico. Essa é uma crítica que o filme também direciona ao governo Nixon e, de certa forma a atual administração do pais na forma de Donald Trump.

A facilidade com a qual o processo é atropelado e as implicações disso são ilustradas no arco do promotor federal Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt), que age com base na crença de que os sete são verdadeiramente responsáveis pelos eventos em Chicago, mas também crê na justiça o bastante para perceber os abusos cometidos no processo. Isso fica evidente no choque demonstrado por Schultz quando o juiz manda amordaçar Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen) e Schultz diz naquele país não se pode ter um réu amordaçado em um tribunal, entendendo a violência prática e simbólica daquela ação. Seria fácil reduzir Schultz a um vilão unidimensional, mas o texto de Sorkin tem nuance o suficiente para entendermos a complexidade dos fatores que orientam a conduta do personagem.

Com um ótimo elenco e uma construção dramatúrgica voltada para desvelar a farsa de um julgamento conduzido por motivos políticos, Os 7 de Chicago é um intenso exame das fragilidades da democracia.

 

Nota: 9/10


Trailer

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