terça-feira, 29 de maio de 2018

Crítica - The Good Fight: 2ª Temporada

Análise Crítica - The Good Fight: 2ª Temporada


Review - The Good Fight: 2ª Temporada
"Quando Carl Reddick nasceu, haviam nazistas marchando nas ruas. Quando Carl Reddick morreu, haviam nazistas marchando nas ruas". Dita durante os primeiros minutos do início desta segunda temporada de The Good Fight, a frase faz um paralelo entre a ascensão do conservadorismo no momento pré Segunda Guerra Mundial (nazistas marchando na Alemanha) e a emergência de forças ultraconservadoras nos Estados Unidos de hoje (com nazistas marchando na cidade de Charlottesville), dando o tom crítico e combativo que a série continua a ter da conjuntura política e, assim como a temporada anterior, prendendo nossa atenção desde a primeira cena.

A trama começa com uma série de assassinatos a advogados, criando uma espécie de movimento intitulado "Kill All Lawyers" ("Matem Todos os Advogados") e com as autoridades pressionando Maia (Rose Leslie) para entregar o pai depois que ele fugiu do país no fim da primeira temporada. Ao mesmo tempo, Diane (Christine Baranski) precisa lidar com o clima de desesperança que se abate sobre ela frente ao que acontece com o país e em seu casamento com Kurt (Gary Cole), enquanto Lucca (Cush Jumbo) descobre estar grávida de Colin (Justin Bartha).

Como de costume, a série continua a alternar as grandes tramas transversais com "casos da semana" que costumam ser resolvidos dentro de um episódio. Esses casos da semana costumam tratar de temas atuais como brutalidade policial, assédio sexual, o papel da mídia no clima de instabilidade política ou as políticas de imigração dos EUA. A temporada segue tratando temas delicados com ponderação e maturidade, reconhecendo a complexidade deles e como não há exatamente uma única resposta para o problema.

Um exemplo é o episódio em que a firma de Diane representa um grupo de homens que foram prejudicados por um site de "homens a evitar" no qual mulheres relatam experiências abusivas ou desagradáveis com esses homens. O episódio discute o que se qualifica como consentimento em uma relação sexual e o que separa uma transa desconfortável e o abuso sexual (se é que há uma separação). Os diálogos entre Diane e a criadora do site, ambas que se consideram feministas, ressaltam como a questão está longe de ser consenso, com a criadora do site chamando Diane de feminista antiquada enquanto Diane critica o sentimento de superioridade e o excesso de certezas da sua oponente. Ao final, Diane descobre que o processo de seus clientes foi financiado por um investidor rico que também fora citado na página e queria ela fora do ar, mas sem precisar se expor em um processo judicial. Assim, o episódio encerra reconhecendo como as coisas ainda funcionam sob uma estrutura patriarcal, apesar do esforço das personagens em serem justas.

É raro que uma série tão abertamente engajada (ela claramente se posiciona contra o atual governo dos EUA e a onda conservadora que toma o país) ser capaz de observar diferentes pontos de vista, evitar maniqueísmos e reconhecer que não há uma solução fácil ou rápida para o problema. O final da temporada inclusive chama atenção para os riscos da oposição ao atual governo recorrer às mesmas táticas do presidente para removê-lo do poder, algo que criaria ainda mais instabilidade. Ocasionalmente a série derrapa ao construir os membros da administração Trump como imbecis caricatos, a exemplo do juiz federal inexperiente com quem Diane e Adrian (Delroy Lindo) precisam interagir. Eu entendo que a maioria das pessoas ligadas a Trump no mundo real de fato se comporta como completos idiotas, mas a série não precisava reduzir pessoas a caricaturas grosseiras de modo a demonstrar seu argumento sob a atual administração.

A subtrama de Lucca (que aproveita a gravidez real da atriz Cush Jumbo) serve para mostrar o modo condescendente que mulheres grávidas muitas vezes são tratadas no ambiente profissional, como se a gravidez as tornasse incapazes, estúpidas ou instáveis. Assim como na temporada anterior, Jumbo e Bartha tem uma ótima química juntos, funcionando como uma casal adorável e rendendo momentos divertidos entre os dois, principalmente quando Francesca (Andrea Martin), a tresloucada mãe de Colin, tenta interferir na relação dos dois. Aliás, todo o segmento do parto de Lucca no final da temporada é talvez o melhor e mais divertido parto em minha memória recente mostrado pela ficção televisiva.

O arco de Diane, por sua vez, é um pouco irregular. A ideia dela recorrer a drogas alucinógenas para poder enfrentar seu cotidiano soa forçada e fora do que foi estabelecido em sua personalidade. Claro, ela sempre tomou uma ou outra dose de uísque depois do expediente, mas ela nunca demonstrou nenhuma tendência ao abuso de substâncias. Se a série queria retratar o desamparo dela em relação a realidade do país, poderiam ter recorrido a outros artifícios, como colocando-a para entrar em depressão ou desenvolver síndrome do pânico, seria mais crível. Não fosse o talento de Christine Baranski e a veracidade que ela passa do torpor (mental e moral) vivenciado por Diane, seria difícil embarcar na jornada dela. A trama da personagem melhora no terço final da temporada quando ela abandona (muito facilmente, diga-se de passagem) as drogas e luta para tomar o controle de sua vida.

O final da personagem ganha ares de thriller de conspiração conforme ela aparentemente se vê perseguida pelo governo. De início achei tudo meio exagerado e mirabolante demais, mais foi ficando claro que o exagero era proposital e a intenção era produzir algo que funcionasse como uma paródia de suspenses políticos ao expor ao ridículo os escândalos do atual presidente com atrizes pornôs e práticas sexuais pouco ortodoxas, a exemplo do suposto vídeo de Trump recebendo "chuva dourada" (procurem no google por sua conta e risco o que isso significa) de prostitutas russas.

A temporada ainda encontra espaço para desenvolver personagens que até então não tinham recebido muita atenção, como o investigador Jay (Nyambi Nyambi) que tem mais do seu passado explorado. Mesmo não tendo exatamente uma trama própria, Marissa (Sarah Steele) continua sendo uma das melhores personagens da série com sua personalidade extrovertida e respostas mordazes sempre na ponta da língua.

A segunda temporada de The Good Fight segue como uma sólida e cuidadosa reflexão sobre as realidades políticas e sociais contemporâneas, mesmo quando algumas tramas encontram dificuldade para funcionar.


Nota: 8/10       

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