quarta-feira, 25 de abril de 2018

Crítica - 7 Dias em Entebbe


Análise Crítica - 7 Dias em Entebbe


Review - 7 Dias em Entebbe
O sequestro de um avião da Air France com destino a Tel Aviv em 1976 por um grupo de radicais pró Palestina já tinha sido transformado em filme em Operação Thunderbolt (1977), agora o diretor brasileiro José Padilha tenta contar novamente essa história com 7 Dias em Entebbe. Supostamente o filme deveria ser uma reflexão sobre a incapacidade de diálogo entre ambas as partes envolvidas (Israel e Palestina), mas muito da construção fílmica depõe contra a intenção da mensagem a ser construída.

A trama começa quando um grupo de alemães pró Palestina, liderados por Wilfried Böse (Daniel Bruhl) e Brigitte Kuhlmann (Rosamund Pike), sequestra um voo da Air France que ia para a capital de Israel. O grupo leva o avião até a cidade de Entebbe, em Uganda, na qual se encontram com radicais palestinos e deixam todos os passageiros presos no aeroporto da cidade, com a anuência do governante de Uganda, Idi Amin (Nonso Anozie), exigindo que Israel liberte presos políticos palestinos em troca da libertação dos reféns.

Padilha tenta realizar algo no molde um suspense ou thriller político, mas o filme carece de tensão para funcionar como tal. Parte do problema é que, como de costume em seus trabalhos, Padilha está mais interessado no contexto ao redor dos personagens do que nos sujeitos em si. Dessa forma os personagens se tornam meras engrenagens em um mecanismo maior, desprovidos de qualquer aprofundamento ou personalidade, são meros veículos para o cineasta nos dar informação e se os personagens não importam, é difícil sentir qualquer sensação de perigo ou urgência. Os personagens não falam, não conversam, eles dão palestras sobre ideologia, moralidade e política. A sensação é menos a de estarmos vendo pessoas envolvidas em uma tensa crise e mais a de que assistimos uma espécie de videoaula dramatizada. Tal como falei em meus textos sobre a segunda e terceira temporada de Narcos, se o interesse de Padilha reside mais sobre essas discussões maiores e menos em entender aquelas pessoas, porque fazer uma ficção ao invés de um documentário?

As cenas de ação não funcionam como deveriam em parte pela escolha estética de contrapor esses momentos com uma performance de dança. A coreografia da companhia Batsheva para a canção Echad Mi Yodea aparece logo no início do filme, é esquecida quase que completamente durante o filme inteiro e só retorna no final durante a operação de resgate dos reféns. O modo como a trama tenta costurar a dança no resto filme é pra lá de displicente, jogando a esmo uma subtrama romântica cafona sobre a namorada dançarina de um dos soldados envolvidos na operação de resgate. Fica evidente que essa subtrama é meramente uma desculpa pra enfiar essa dança no meio de uma cena de ação, mas o pior é que a montagem alternada das duas coisas simplesmente não funciona. Seriam momentos impactantes isoladamente, mas o modo como a montagem alterna entre as duas sequências não só as deixa demasiadamente fragmentadas como faz associações óbvias entre as imagens dos dois segmentos diminuindo o impacto de ambas ao invés ampliá-lo.

A construção do discurso sobre a situação é outro problema sério. Primeiro porque todo o amplo panorama construído serve para transmitir o clichê de que as pessoas não conseguem dialogar, como se ninguém que minimamente observasse toda a questão Israel e Palestina (ou qualquer outro conflito político) não fosse capaz de chegar a essas mesmas conclusões, sem exatamente tentar entender o que leva a essa recusa do diálogo ou sede de conflito. O filme destaca um sintoma que todo mundo já conhece, mas não oferece qualquer insight interessante sobre a doença em si.

Outro problema em relação a esse discurso pacifista e conciliatório é que o filme propõe um olhar afastado e isento que não se concretiza durante a projeção. Entendam, não há problema em assumir um lado, ainda mais na arte onde se espera que o produto seja fruto do olhar subjetivo do artista sobre aquilo que sua obra trata, o problema está em se declarar isento sendo que sua obra claramente adere a um lado, o que soa desonesto ou incompetente.

Desde a cena inicial fica evidente que o filme pende para o lado israelense ao abrir com uma performance da companhia Batsheva (uma companhia israelense) dançando sob a canção Echad Mi Yodea, uma canção judaica cantada costumeiramente durante o Pessach (algo como a Páscoa para o judaísmo) que enumera elementos comuns do ensinamento judaico, cuja coreografia reflete o sofrimento e libertação do povo judeu. Enquanto que existem uma multiplicidade de personagens israelenses, desde membros do gabinete do primeiro-ministro Ytzhak Rabin (Lior Ashkenazi), passando pelos reféns, os soldados envolvidos no resgate e suas famílias, do lado palestino o filme apenas apresenta o grupo que sequestrou o avião, reduzindo um lado inteiro da conversa a criminosos enquanto o outro desempenha uma multiplicidade de papéis.

O uso do idioma estrangeiro é outra questão na qual a dita isenção do filme esbarra. Considerando que é um filme feito nos Estados Unidos, portanto que pensa prioritariamente no público de língua inglesa, a decisão sobre qual idioma os personagens falam tem muito a dizer. Os personagens israelenses falam integralmente em inglês (ainda que com algum sotaque), mas o grupo pró-palestina no avião constantemente fala entre si em alemão e árabe. Assim, o filme permite uma identificação (ou senso de igualdade) dos israelenses enquanto que os membro da frente pró palestina soam incomodamente estrangeiros e distantes, são o "outro". Sim, alguns passageiros franceses também falam francês em alguns momentos, mas os franceses não constituem um "lado" neste conflito e eles estão ali justamente como vítimas estrangeiras e não pertencentes ao foco da ação dos sequestradores.

A narrativa tenta ceder o protagonismo para os sequestradores do avião, mas esse protagonismo pouco adianta se os personagens são tão mal desenvolvidos. O personagem de Daniel Bruhl é o único a mostrar uma módica quantia de humanidade pelos reféns, mas a trama o pinta como um tolo idealista (e hipócrita em alguns momentos, como quando um amigo o lembra que ele é um burguês) que se meteu em algo além de sua capacidade. Todos os demais, ainda que tenham a motivação da perda de familiares, são fanáticos cheios de certeza e nenhuma dúvida. A trama ainda deixa evidente o que pensa sobre os revolucionários quando Böse conversa com um dos membros da tripulação do avião e o engenheiro de voo encerra o diálogo (e a cena) ao dizer: "um engenheiro vale mais que 50 revolucionários".

No núcleo israelense, por outro lado, o primeiro-ministro Rabin é um homem ponderado, sempre questionando os impactos que suas decisões causarão no longevo conflito com a Palestina e aberto ao diálogo. Rabin é construído como uma ilha de sensatez cercada por um oceano de irracionalidade de ambos os lados. Ele é apresentado como um homem sem falhas e composto inteiramente de virtudes (contrapondo-o às incongruências, vícios e violência dos sequestradores), ou seja tão unidimensional quanto os sequestradores. O ministro da defesa Shimon Peres (Eddie Marsan) funciona como o vilão do filme sempre tentando forçar um conflito e o texto faz dele um sujeito tão sedento por conflito que só faltou dar a ele uma cena em que o personagem soltasse uma gargalha maligna enquanto esfrega as mãos ao perceber que seus planos estão dando certo.

Eddie Marsan, Lior Ashkenazi e Daniel Bruhl conferem alguma credibilidade aos seus personagens e evitam que descambem para uma caricatura aborrecida tal qual os demais, a exemplo da sequestradora vivida por Rosamund Pike ou do retrato feito de Idi Amin, que mais soa como um bufão ególatra e ridículo do que um instável e perigoso megalomaníaco. Ou seja, é um filme que clama denunciar a falta de diálogo entre dois lados de um longevo conflito visando ressaltar a importância da conciliação, mas claramente privilegia um lado, lhe dando mais razão (assim como mais motivos para o público aderir a esse lado), o que constrói um contrassenso lógico em relação à mensagem que deseja passar. A materialidade do filme depõe contra seu próprio discurso (ou intenção de discurso) e sequer parece entendê-lo, o que é um problema gravíssimo.

7 Dias em Entebbe se mostra um suspense desprovido de tensão e um comentário político insosso, prejudicado por personagens unidimensionais e uma falta de compreensão sobre o problema que quer tratar.

Nota: 3/10

Trailer

Nenhum comentário: