quinta-feira, 1 de março de 2018

Crítica - Projeto Flórida




Filmes que contam histórias sobre crianças vivendo da pobreza muitas vezes pendem para o excesso, ou romantizam demais as condições sob as quais seus personagens vivem ou pesam demais a mão no sofrimento deles diante da situação adversa. Em Projeto Flórida, no entanto, o diretor Sean Baker (do excelente Tangerine) alcança um raro equilíbrio entre a ingenuidade da infância e a dureza do mundo adulto.

A trama é centrada na pequena Moonee (Brooklynn Prince), uma menina de seis anos que passa seus dias de férias brincando com seus amigos nas ruas ao redor do hotel barato no qual vive com a mãe, Halley (Bria Vinaite). Sem emprego, Halley encontra cada vez mais dificuldade para pagar as contas e sustentar a filha, mas Moonee, em sua ingenuidade infantil, está alheia a tudo isso.
                              
A câmera de Sean Baker muitas vezes registra seus personagens com um certo distanciamento, como se o cineasta não as conhecesse e as estivesse analisando, estudando, seguindo aquelas pessoas para tentar compreendê-las. Há um claro contraste entre as cenas envolvendo Moonee e as que envolvem Halley. Moonee vê o mundo como um espaço cheio de oportunidade, um lugar grandioso para aventuras e descobertas, estabelecendo um senso constante de encantamento conforme a menina explora os arredores com seus amigos. Halley, por outro lado, experimenta uma vida no qual nada dá certo e sua existência é tomada por desencanto e melancolia conforme ela vai se dando conta da piora de sua situação. Que Moonee não se dê conta da sua própria situação de miséria só torna tudo mais desolador.

Parte desse senso de encantamento vem do modo como Baker filma as paisagens da Flórida, usando uma paleta colorida e com predominâncias de tons pastéis que conferem um caráter idílico a espaços que sabemos compor uma região degradada de classe média-baixa, algo que o constante som do helicóptero da polícia sobrevoando a área não nos deixa esquecer. A outra instância que permite esse deslumbre é a própria Brooklynn Prince, tão natural e sincera em sua personalidade espevitada que faz parecer que Sean Baker simplesmente viu a menina na rua e começou a segui-la com a câmera. A narrativa é toda permeada por esse senso de naturalismo, como se estivéssemos simplesmente assistindo a vida de alguém normal e não uma ficção feita para exibir grandes momentos dramáticos.

Falando em sinceridade e calor humano, Willem Dafoe surpreende como o gerente do hotel em que Halley vive. Apesar das estritas regras que precisa (afinal ele é só um funcionário) impor aos hóspedes, é possível perceber que ele tem um cuidado e preocupação verdadeiros por aquelas pessoas. Isso fica evidente na cena em que ele para tudo que está fazendo para afastar um estranho homem que tenta interagir com as crianças que brincam no gramado. Do mesmo modo, ele exibe um claro desconforto na centra entre Halley e o conselho tutelar próximo ao fim do filme. Sua decisão de sair para fumar é praticamente uma desculpa para sair dali e não ter que presenciar as consequências dolorosas do que irá acontecer.

Esse desconforto é também experimentado pelo espectador e é difícil não se emocionar com a reação de Moonee ao se despedir de uma amiga. É cheio de sensibilidade e desalento, quebrando sem dó a alegria ingênua com a qual a menina vivia até então. Com o olhar cuidadoso de Sean Baker, Projeto Flórida é igualmente repleto de encantamento e melancolia. Um estudo delicado sobre infância e perda de inocência.


Nota: 9/10

Trailer:

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