terça-feira, 27 de março de 2018

Crítica - Jogador Nº1


Análise Crítica - Jogador Nº1


Review - Jogador Nº1
O diretor Steven Spielberg se tornou famoso na década de 80 ao pegar tudo que ele gostava nos antigos filmes de aventura e ficção-científica dos anos 30, 40 e 50 para criar obras cheias de reverência a esses produtos, mas dotadas de personalidade própria, que se sustentavam independente do público possuir ou não a mesma memória afetiva que Spielberg tinha sobre os filmes de outrora. As aventuras do Indiana Jones ou ET: O Extra-Terrestre (1982) tinham estofo o suficiente para se erguerem com suas próprias pernas, mas não sei se sou capaz de dizer o mesmo deste Jogador Nº1, cujo engajamento do público depende demais de nossa memória afetiva com a cultura pop dos últimos 30 anos para poder funcionar.

Há alguns anos a animação South Park usava as frutas fictícias Memberberries para criticar a tendência atual de Hollywood em se apoiar em uma nostalgia inane para atrair seu público e nenhum filme recente me parece mais exemplar deste problema do que Jogador Nº1. Tal qual as frutas falantes de South Park, o filme te pergunta o tempo todo: "Você lembra de De Volta Para o Futuro? Você lembra de Alien: O Oitavo Passageiro? Você lembra de Star Wars?" e empolgado eu respondia "Sim, me lembro de tudo isso, porquê?". Como resposta o filme apenas me dizia "Nada não, só queria ter certeza que você conhecia essas coisas". Claro, há um prazer inegável em ver um Gundam saindo no braço com o Mechagodzilla ou personagens de Street Fighter ou Overwatch andando lado a lado, mas chega a um ponto em que parece que o filme não tem muito mais a me oferecer além dessas piscadelas e informações triviais sobre coisas que gosto. 

Mais que isso, fica a sensação que o filme usa o meu afeto por esses personagens para conseguir meu engajamento com a trama sem que precise fazer muito esforço para disfarçar a natureza genérica de sua trama ou personagens, o que é decepcionante considerando o talento de Spielberg em criar universos que conseguem ser referenciais sem caírem no derivativo. Em alguns momentos as referências chega a ir contra os elementos do próprio conteúdo referenciado, como a presença do personagem título de O Gigante de Ferro (1999). A animação discutia o pacifismo, com o robô protagonista se recusando a agir como a máquina de guerra que foi desenhado para ser e aqui ele é usado exatamente como uma máquina de guerra. 

A trama gira em torno de Wade (Tye Sheridan), um garoto de origem humilde que passa boa parte de seu tempo no OASIS, um jogo massivo de realidade virtual. Lá, ele e seu melhor amigo Aech (Lena Waithe, da série Master Of None) buscam as três chaves escondidas dentro do mundo virtual por Halliday (Mark Rylance), o falecido criador do jogo. Quem encontrar as chaves de Halliday herdará o OASIS e isso atrai atenção de jogadores e empresas poderosas, em especial à gigante tecnológica presidida por Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn), que quer explorar o OASIS para ganhar dinheiro ao invés de deixá-lo livre para os usuários, basicamente querendo fazer com o OASIS o que a desenvolvedora EA faz com os videogames do mundo real. É o mesmo template de boa parte das franquias adolescentes dos últimos anos, como Jogos Vorazes, Divergente ou Maze Runner, nas quais um jovem se vê obrigado a liderar uma rebelião contra forças opressoras.

Os personagens também são os mesmos arquétipos que costumamos encontrar neste tipo de narrativa, mas alguns membros do elenco são carismáticos o suficiente para fazê-los funcionar, principalmente Lena Waithe e os vilões interpretados Ben Mendelsohn, embora esteja interpretando o mesmo tipo de burocrata sem escrúpulos que viveu em Rogue One (2016), e T.J Miller como o mercenário i-R0k. O destaque fica com Mark Rylance como o retraído criador do OASIS, demonstrando a extrema inabilidade social do personagem sem cair na caricatura. Tye Sheridan e Olivia Cooke, no entanto, não conseguem fazer nada marcante com Wade ou Artemis.

A trama apresenta ideias interessantes em seu início e fim, mas o desenvolvimento destas é prejudicado pelo meio da trama, que parece mais interessado em exibir o maior número possível de referências do que desenvolver seus temas, universo e personagens. Ainda que construído de modo relativamente superficial, o arco principal pode ser entendido como uma defesa da importância de uma internet neutra e livre contra a exploração cada vez maior das empresas que lidam com o meio. Há também uma exaltação ao lado lúdico dos jogos virtuais, lembrando que a importância está em se divertir e fazer amigos, não em vencer sempre ou ser o mais poderoso. A narrativa ainda acerta ao ressaltar a necessidade de desplugar do mundo virtual de vez em quando, já que nenhuma experiência virtual supera a realidade.

O grande acerto reside na concepção visual do OASIS. Grandioso e deslumbrante, as paisagens digitais trazem um encantamento que torna crível o fato de que a maioria das pessoas daquele mundo passa boa parte de seu tempo imersa naquele lugar. Os avatares digitais dos protagonistas são bem expressivos e conseguem remeter às feições e linguagem corporal de seus atores mesmo exibindo uma aparência diferente deles. Imagino que foram criados (ao menos os rostos) a partir de captura de movimento. As cenas de ação, em especial uma perseguição no início, são cheias de energia e se valem com criatividade das possibilidades oferecidas pelo mundo digital no qual tudo se passa.

Assim, Jogador Nº1 funciona como uma boa diversão, ainda que não consiga afastar a impressão de ser um exercício raso de nostalgia, principalmente quando sabemos que Steven Spielberg já usou essa mesma nostalgia para criar obras mais envolventes e singulares.


Nota: 6/10


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