terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Crítica - South Park: 21ª Temporada

Análise South Park: 21ª Temporada


Review South Park: 21ª Temporada
As duas temporadas anteriores de South Park tinham investido em tramas contínuas e arcos que se desenvolviam ao longo da temporada inteira. Era uma experimentação inesperada para a série e mostrava que os criadores Matt Stone e Trey Parker ainda estavam dispostos a brincar com a própria fórmula e tentar coisas novas. Nesta vigésima primeira temporada, eles resolvem voltar a um formato mais episódico com histórias isoladas e menos dependente de continuidade, mas o resultado acabou sendo um pouco irregular.

Os problemas começam já no primeiro episódio, White People Renovating Houses, que tenta zoar a marcha neonazista ocorrida no interior dos Estados Unidos esse ano. A série trata a situação de uma maneira relativamente rasa, longe da contundência e acidez pela qual South Park é famosa, abordando tudo como apenas uma ação estúpida de um monte de caipiras burros. Não deixa de ter certa razão (eles são caipiras burros), mas ao mesmo tempo suaviza de algum modo a gravidade do caso, já que ter pessoas com armas e símbolos nazistas gritando o extermínio de judeus e negros nas ruas é algo que está em um outro patamar para além da estupidez sendo esse um dos raros casos em que a série parece não compreender plenamente o que está satirizando.

A relação de Cartman e Heidi tinha sido o elo fraco da temporada anterior, mas aqui é melhor explorada, com Cartman voltando a ser o seu eu manipulador e maquiavélico de sempre. O personagem usa seus "talentos" para praticamente transformar a namorada em uma versão feminina dele e fica evidente que a relação se tornou algo tóxico para os dois, com ambos tentando manipular um ao outro se fazendo de vítima constantemente. O final da temporada inclusive traz menções a eventos envolvendo os dois nas temporadas anteriores e traz uma ótima conclusão a essa subtrama, com Heidi finalmente percebendo a natureza pouco saudável de seu namoro e resolvendo terminar tudo a despeito das ameaças de Cartman.

Apesar de conterem histórias isoladas, muitas piadas foram recorrentes ao longo da temporada, como as constantes paródias feitas com a Netflix e sua pressa por produzir conteúdo próprio, fazendo-os aprovar praticamente qualquer coisa e tentando reviver qualquer série que tenha feito sucesso no passado. Isso é abordado tanto no divertido episódio dos super-heróis, que serve de prelúdio para o jogo A Fenda que Abunda Força, quanto no episódio envolvendo a volta de Terrance e Philip à televisão via Netflix, aqui mostrados como uma dupla de idosos que mal conseguem peidar evidenciando a natureza velha e ultrapassa do humor dos dois.

Há muita razão nas críticas que são feitas à Netflix, mas não consigo deixar de pensar que existe uma certa medida de interesse corporativo por baixo de tudo isso, já que ao menos nos Estados Unidos South Park é atualmente distribuído via streaming pela Hulu (responsável por The Handmaid's Tale), concorrente direto da Netflix. Se a série fizesse piada com todos os serviços de streaming e a "corrida do ouro" entre eles para chamar atenção com conteúdo próprio e se destacar das demais talvez não soasse tanto como uma ação empresarial. Do jeito como a piada é construída, no entanto, por mais que de fato seja engraçada, não consegue afastar a impressão de que as intenções de South Park não foram apenas as de fazer comédia.

Como um todo a temporada foi relativamente irregular. Alguns episódios foram muito, mas muito divertidos, como o que satiriza a troca de ofensas entre o presidente dos EUA e o ditador da Coréia do Norte via internet e o medo de uma guerra nuclear entre os dois, o já citado dos super-heróis ou humor nonsense dos episódios do Dia de Colombo e o do Dia das Bruxas, que também pode ser interpretado como uma crítica ao comportamento masculino de ser conivente com os abusos praticados por outros homens. 

Por outro lado, alguns episódios deixaram a desejar. O que mostra Stan se envolvendo em um esquema de tráfico no asilo de seu avô, por exemplo, começa com uma premissa divertida ao comparar o funcionamento de um asilo de idosos com uma prisão e sua tentativa de comentar a crise de opiáceos, mas acaba se perdendo em uma repetição cansativa das mesmas gags. De maneira semelhante, o episódio que tentava traçar paralelos entre o fato de Heidi não conseguir se desvencilhar de Cartman e os apoiadores de Trump não conseguindo abrir mão de seu apoio ao presidente perde força ao passar todos os seus vinte minutos ao repetir as mesmas situações e piadas o tempo todo.

A cena mais eficiente desse episódio é a que mostra Heidi em um restaurante com as amigas, sendo ridicularizada por elas por namorar alguém como Cartman e quanto mais ela é alvo de críticas, mais ela tenta criar argumentos e subterfúgios absurdos para justificar a continuidade da relação, tal qual eleitores do atual presidente. O interessante da cena é o modo como ela critica os dois lados da situação, por um lado expondo ao ridículo as tentativas de justificar o injustificável e por outro mostrando como a conduta dos opositores em tratar os votantes no presidente como inferiores ao invés de oferecer-lhes apoio ou compreensão não dirime a convicção daquelas pessoas, apenas as fortalece.

As críticas ao presidente funcionam melhor nos dois episódios finais, esses sim interligados em uma trama única. Os dois episódios mostram o presidente como um idiota egocêntrico instável desesperado por aceitação pública e como as quedas em sua popularidade e aceitação pública agravam ainda mais sua conduta agressiva ao ponto em que é quase impossível defendê-lo. O clima de tensão política é exemplificado pelo modo como a presença do presidente é comparada com a criatura do filme It: A Coisa e a série ainda faz piada com a atual onda de revivals oitentistas ao mostrar como It e Stranger Things são muito parecidos entre si.

Os dois últimos episódios ainda conseguem satirizar o puritanismo hipócrita dos Estados Unidos ao mostrar que as pessoas da cidade ficam mais enojadas ao saber do envolvimento amoroso entre o diretor e a vice-diretora da escola do que com os absurdos da política. O final da temporada provavelmente vai dividir opiniões ao deixar muita coisa em aberto, mas considerando que é impossível cravar uma opinião certeira sobre o que acontecerá com o país, acabar deixando as dúvidas no ar foi uma escolha sensata.

A vigésima primeira temporada de South Park tem muitos acertos, mas não chega a ser o prometido "retorno à glória" para a série graças à irregularidade entre a qualidade dos episódios.


Nota: 7/10

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