domingo, 18 de junho de 2017

Crítica - The Handmaid's Tale: 1ª Temporada

Análise The Handmaid's Tale: 1ª Temporada


Review The Handmaid's Tale: 1ª TemporadaCom tantos filmes e séries sobre futuros distópicos apocalípticos (de Jogos Vorazes a The Walking Dead) esta primeira temporada The Handmaid's Tale parecia ser só mais uma na multidão de possibilidades nada agradáveis para o futuro da raça humana. A série, no entanto, se destaca pelo modo contundente como usa esse cenário para tratar de temas importantes e pela coesa construção de seu universo. O texto a seguir contem SPOILERS.

A trama se passa em um futuro no qual a taxa de fertilidade caiu imensamente. Os Estados Unidos sofreu uma espécie de golpe militar coordenado por extremistas religiosos e transformou o país em uma ditadura teocrática patriarcal. As mulheres não podem mais ter empregos ou propriedades, sendo completamente submissas aos homens. Elas também foram divididas em castas: as esposas, destinadas a se casarem com homens proeminentes, as "Marthas", destinadas ao trabalho doméstico, e as poucas mulheres férteis que restaram foram obrigadas pelo novo governo a se tornarem aias.

As aias são colocadas nas casas de famílias proeminentes e são forçadas a fazer sexo com o homem da casa para poder engravidar deles. Uma vez tendo o filho daquela família, a aia é alocada em outra família para continuar o processo. Basicamente, as aias são mulheres transformadas em animais reprodutores contra a própria vontade. A protagonista da série é Offred (Elizabeth Moss), recém alocada na casa de um dos líderes do governo, o comandante Fred Waterford (Joseph Fiennes), e uma vez por mês é obrigada a deitar-se com ele, sendo segurada na cama pela esposa do comandante, Serena Joy (Yvonne Strahovski), para que ele a engravide.

É um universo no qual os homens detém todo o poder e as mulheres não possuem nenhum. Mesmo as esposas das autoridades não passam de figuras decorativas, sem qualquer voz ativa em uma sociedade na qual as mulheres não possuem qualquer direito de cidadania. As aias deixam de usar seus nomes e passam a chamadas pelo nome do homem da casa no qual vivem acompanhado do prefixo "of" (que em inglês significa "de"). Deste modo Offred literalmente quer dizer "de Fred", deixando claro que ela, assim como as demais aias, é uma mera propriedade ou objeto e não uma pessoa dotada de individualidade e personalidade.

Se inicialmente Offred parece plácida e resignada ao seu papel de, bem, de escrava sexual, já na primeira vez que ouvimos sua narração em off percebemos que aquilo é uma máscara que ela usa para tentar sobreviver nesse brutal novo mundo e que na verdade ela odeia tudo aquilo e deseja fazer algo para mudar sua situação. O arco dela nesta primeira temporada é justamente o de tentar achar um meio para enfrentar esse sistema. Através de seus flashbacks ao longo da temporada vemos como as coisas chegaram a tal ponto, como as liberdades individuais foram aos poucos sendo eliminadas "por motivos de segurança" e ninguém parecia se importar muito até que direitos civis básicos começaram a ser negados e a este ponto era tarde demais para reagir. Elizabeth Moss é ótima em trazer a sutileza da raiva e revolta de Offred por baixo de sua aparente serenidade e obediência.

Yvonne Strahovski, por sua vez, faz de Serena uma mulher fria e amargurada, cuja conduta parece ligada à chegada de Offred a sua casa. Afinal, ela precisa assistir todo mês a aia ser penetrada pelo marido para dar a ele o filho que ela não pode dar. Conforme vamos conhecendo mais sobre o passado dela, no entanto, vemos que parte de sua conduta também vem do fato de que ela apoiou o marido desde os primeiros estágios do golpe, ajudando até a elaborar parte da doutrina usada pelo atual governo, mas assim que houve a mudança de regime deixou de ser tratada como uma igual para ser uma cidadã de segunda classe, perdendo o poder que almejava. A oposição entre ela e Offred é também delineada pelos figurinos. Se as esposas vestem azul, uma cor fria e costumeiramente ligada à melancolia ou tristeza, as aias vestem vermelho, uma cor quente.

Joseph Fiennes traz certa medida de ambiguidade ao comandante, nos deixando em suspense quanto às suas intenções com Offred, em especial quando ele começa a quebrar o protocolo e passa a interagir com a aia em outras situações além de seu "ritual" mensal. Ficamos em dúvida se ele faz aquilo por alguma necessidade de contato humano, por querer vê-la como uma pessoa e não como coisa, ou por um prazer medonho de exercer controle e poder sobre ela. Aos poucos vamos também vendo como ele é um hipócrita, uma vez que seu discurso sobre família e valores em nada condiz com sua conduta privada, tanto com a esposa como com sua aia.

A câmera, quase sempre centralizada no rosto de Offred e bem próxima a ele contribui para a sensação de aprisionamento da personagem, que se sente sufocada por seu cotidiano de serva e constantemente sob vigilância, temendo pelo que lhe pode acontecer. É afinal de contas um estado brutal, no qual as mulheres não tem qualquer voz sobre o que é feito com seus próprios corpos, os cadáveres de "subversivos" ficam pendurados pela cidade e linchamentos públicos são uma pena de morte sancionada pelo governo. Os julgamentos e crimes, por sinal, não são feitos a partir de leis, mas a partir de versículos bíblicos manipulados e interpretados ao bel prazer daqueles que detêm o poder.

Extremamente atual em um contexto no qual forças ultraconservadoras tem obtido cada vez mais holofotes na política de muitos países, essa primeira temporada de The Handmaid's Tale é uma assombrosa e poderosa narrativa sobre totalitarismo e preconceito, ancorada pelo ótimo trabalho de Elizabeth Moss e de seu coeso e brutal universo ficcional.


Nota: 10/10

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