quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Crítica - Assassinato no Expresso do Oriente

Análise Assassinato no Expresso do Oriente


Review Assassinato no Expresso do Oriente
O famoso romance de Agatha Christie Assassinato no Expresso do Oriente já tinha recebido uma excelente adaptação de mesmo nome dirigida por Sidney Lumet em 1974, que chegou a ser indicada a seis Oscars e levou um para a atriz Ingrid Bergman. Assim sendo, há alguma razão para se fazer uma nova adaptação sendo que o filme de 1974 se sustenta perfeitamente ainda hoje e essa nova versão não faz nenhuma mudança na sua ambientação no final dos anos 20 ou na resolução do crime em si? Bem, não, a nova versão é bem desnecessária, ainda que consiga ser competente em recriar a famosa narrativa policial.

A trama se mantem a mesma dos livros. O famoso detetive Hercule Poirot (Kenneth Branagh) está viajando no Expresso do Oriente quando uma nevasca interrompe a viagem e um dos passageiros, o sinistro Ratchett (Johnny Depp), é encontrado morto em sua cabine que estava supostamente trancada. Com todos os passageiros como suspeitos, o gerente da linha de trem, o Sr. Bouc (Tom Bateman), pede que Poirot investigue o caso antes que o trem seja consertado e chegue à próxima estação, na qual  o culpado poderá desembarcar e evitar a captura. Poirot precisa então correr contra o tempo para resolver esse mistério.

Considerando que se trata de um mistério com mais de 80 anos de idade e que boa parte do público já sabe a resolução do crime, o filme se apoia em seus fascinantes e ambíguos personagens para manter o público interessado e isso funciona muito bem graças ao ótimo elenco reunido aqui. Cada um dos passageiros tem seu tempo para ser desenvolvido e para intrigar a audiência com seus segredos e personalidade exótica.

Os momentos em que Poirot os confronta com suas mentiras sempre rendem embates verbais excelentes, principalmente quando os personagens se despem da fachada de cortesia que vestiam e assumem quem realmente são, em especial nas cenas envolvendo a governanta Debenham (Daisy Ridley, a Rey de Star Wars), o professor Hardman (Willem Dafoe) e a viúva Hubbard (Michelle Pfeiffer). O diretor Kenneth Branagh valoriza o desempenho cuidadoso de seus atores mantendo a câmera próxima de seus rostos e dando a eles tomadas longas com poucos cortes para que vejamos o desabrochar de suas motivações. Nesse sentido não é por acaso que Branagh constantemente filme esses personagens por trás dos vidros espelhados do vagão-restaurante, criando imagens com reflexos múltiplos e distorcidos dos suspeitos, denotando a personalidade dual deles.

Kenneth Branagh é ótimo em construir os maneirismos excêntricos de Poirot, tornando-o um sujeito com alguma medida de transtorno obsessivo-compulsivo. Sua dependência de simetria e de tentar fazer tudo se encaixar acaba tornando-o um excelente observador e lhe confere uma extrema acuidade mental. Branagh também traz bom humor o suficiente para evitar que o personagem se torne uma mera caricatura ou coleção de chistes ou frases de efeito, dando ao detetive um necessário carisma para que seja envolvente acompanhar seu processo investigativo.

Ocasionalmente algumas deduções de Poirot não são devidamente bem explicadas, como se o roteiro pulasse algumas etapas do processo de raciocínio lógico que levou o personagem a estabelecer uma relação causal entre dois elementos. Um exemplo é a cena em que ele descobre que a morte de Ratchett tem ligação com o Caso Armstrong (algo que sequer tinha sido citado pela trama até então) pela mensagem incompleta em um bilhete parcialmente queimado e nunca fica claro como ele chegou nessa conclusão.

O principal problema, no entanto, reside no desfecho do filme e a decisão tomada por Poirot em relação aos culpados. Eu imagino que Branagh quis dar ao personagem um arco dramático próprio no qual ele se transformasse e aprendesse algo. Penso que ideia devia ser a de tirar o personagem da sua zona de conforto tradicional e por em questão suas crenças, saindo de seu maniqueísmo simplório de bem e mal absolutos.

A questão é que ao alterar a decisão final do detetive em relação ao romance de Christie apenas simplifica uma questão moral bem complexa e apenas leva o personagem a um extremo oposto do espectro moral/ideológico sem lhe dar nenhuma complexidade adicional. No final do romance Poirot simplesmente lavava suas mãos e deixava que Bouc decidisse o que contar para a polícia depois de apresentar suas duas teorias, no filme de 74 o detetive claramente mostrava seu desagrado com seu olhar ao ver os conspiradores brindando com champanhe. Aqui, no entanto, Poirot se torna um cúmplice ativo e chega a endossar abertamente a conduta dos conspiradores. Apesar de citar em seu discurso final que a questão ficará em sua consciência, Poirot não parece demonstrar nenhum pesar em sua decisão.

Mesmo sendo um remake desnecessário, Assassinato no Expresso do Oriente acerta no carisma de seu protagonista e no ótimo elenco que dá vida aos ambíguos e exóticos suspeitos, mas derrapa ao tentar fazer uma discussão rasa sobre a moralidade do crime.



Nota: 6/10

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