segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Crítica - Magnífica 70: 2ª Temporada

Análise Magnífica 70


Resenha Magnífica 70
A primeira temporada de Magnífica 70, série brasileira produzida em parceria com o canal a cabo HBO, foi uma grata surpresa com seu ritmo ágil, personagens interessantes e uma trama que se passava nos bastidores de uma produtora de cinema na chamada "Boca do Lixo" na São Paulo dos anos setenta, período duro da ditadura militar brasileira. A temporada construía um tenso jogo de gato e rato a partir da jornada de Vicente (Marcos Winter), um censor que se envolvia com a equipe da Magnífica Cinematográfica e passava a ajudá-los na produção de filmes, ao mesmo tempo que ocultava isso de seus superiores e tentava convencê-los a aprovar os "filmes subversivos" que fazia por lá.

A segunda temporada começa um tempo depois do término da primeira. Apesar de estarem no controle da Magnífica, Vicente, Manolo (Adriano Garib) e os demais não estão exatamente no controle da situação. Sueli (Juliana Galdino), a chefe de Vicente na censura, o vem chantageando desde o fim da temporada anterior para que ele faça filmes com a ideologia do governo para poder lucrar com eles. Isso fere a integridade artística de Vicente que pensa em maneiras de se livrar de Sueli, ao mesmo tempo que começa a ser consumido pela culpa pela morte de um colega cineasta, que se suicidou depois que Vicente remontou seu filme, removendo o conteúdo político dele, para que fosse possível passar pela censura.

A culpa e a tentativa de manter ocultos erros do passado não move apenas Vicente, mas boa parte da trupe da Magnífica. Isabel (Maria Luiza Mendonça), ex-mulher de Vicente, precisa lidar com a investigação de um capelão do exército na morte de seu pai (Paulo Cesar Pereio), Dora (Simone Spoladore) lida com a culpa pelo assassinato de Larsen (Stepan Nercessian) se afundando em drogas e se vê na mira de um obstinado delegado que não se convenceu pelo atentado comunista forjado por ela e os demais para ocultar a morte do produtor. Manolo (Adriano Garib), agora casado com Isabel, se afunda na culpa pela morte de um amigo em um acidente de carro no qual ele era o motorista.

Com diferentes forças ameaçando os integrantes da Magnífica, a temporada poderia soar inchada ou não desenvolver bem os diferentes conflitos, mas felizmente isso não acontece. Cada um dos oponentes, do capelão ao delegado e a própria Sueli, é quase tão hábil quanto os protagonistas e a trama cria um tenso jogo de xadrez entre eles, no qual cada um tenta neutralizar o movimento de outro. Isso ajuda a tornar cada vitória mais satisfatória e ressalta a engenhosidade do grupo, sempre resolvendo os problemas com sua inteligência e usando o cinema e a ficção como armas, nos lembrando da capacidade transformadora e subversiva da arte, servindo também para mostrar o motivo do cinema exercer um fascínio e atratividade tão grande sobre esses personagens.

Marcos Winter é bastante competente em retratar a espiral de instabilidade crescente experimentada por Vicente. Se no início ele apenas parece corroído por culpa, aos poucos ele vai mostrando como esse sentimento vai dando lugar à loucura conforme ele começa a alucinar com as pessoas cujas mortes ele foi (ou pensa que foi) responsável. O que culmina do desfecho da temporada, com ele perdido dentro da própria mente, caminhando quase como um zumbi e encarado todos com um olhar vidrado e opaco. A sensação de estranheza despertada pelo comportamento do personagem no fim da temporada é beneficiada ainda pelo trabalho de câmara que mantêm planos e contraplanos ultra próximos do rosto de Vicente e seus interlocutores. Já Spoladore traz uma Dora tomada pela apatia, em parte por passar boa parte do tempo sob efeito de narcóticos, mas também por sentir como se parte de sua humanidade tivesse sido perdida ao matar Larsen. Enquanto isso Maria Luiza Mendonça continua a construir com consistência o processo de emancipação de Isabel, cada vez mais resoluta e segura de si.

A série ainda faz uma boa reconstrução de época, não apenas nos cenários e figurinos, mas também em relação ao clima social dos anos mais duros da ditadura militar brasileira, nos quais a "ameaça" do comunismo parecia estar em todo lugar e todos estavam sob a vigilância de um Estado truculento, corrupto e hipócrita. O final de temporada aponta novos e instigantes caminhos para a trupe da produtora e realmente estou curioso para conferir o que o futuro reserva a eles.

Mantendo o bom nível estabelecido pela primeira temporada, este segundo ano de Magnífica 70 constrói mais um intrigante conto sobre a produção cinematográfica da "Boca do Lixo", sustentado por um hábil manejo da intriga e pelos bons personagens. Resta torcer para que a próxima temporada consiga manter a consistência da série.


Nota: 8/10

Trailer:

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