sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Crítica – 12 Anos de Escravidão


Análise 12 Anos de Escravidão 

Review 12 Anos de EscravidãoA escravidão já foi tema de diversos filmes das mais variadas cinematografias do mundo. Pode até parecer um tema batido para se fazer um filme hoje, mas se olharmos a nossa volta em qualquer país com uma herança escravocrata (como o Brasil) veremos que suas marcas ainda estão presentes. Quando falei sobre o competente Fruitvale Station: A Última Parada (com o qual este filme faria uma interessante sessão dupla) falei sobre como o filme não era apenas uma denúncia de violência policial, mas um atestado da falta de alteridade e ao assistirmos este 12 Anos de Escravidão do diretor Steve McQueen vemos de onde vem esse distanciamento e as horrendas consequências que ele provoca.
A trama segue a história real de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um homem negro livre que, em 1841, foi sequestrado e vendido como escravo e por doze anos viveu como trabalhador escravo em diversas propriedades dos Estados Unidos. A partir daí o filme irá mostrar não apenas a jornada de Solomon, mas como a escravidão é um construto social aberrante que desumaniza e degrada tanto vítima quanto algoz, permitindo a barbárie e a violência imperem.
Afinal, mesmo um fazendeiro menos impiedoso como Ford (Benedict Cumberbatch) que tenta tratá-los com gentileza ainda os vê como uma propriedade da qual pode dispor como quiser e mesmo todos os confortos que fornece não muda o fato que ainda assim estão todos cativos ali e desprovidos de liberdade, sujeitos aos caprichos de seu senhor e aos arroubos violentos dos capatazes. A naturalização deste comportamento brutal e desumano fica terrivelmente clara no incômodo plano-sequência em que Solomon é mantido preso pelo pescoço em uma corda, debatendo-se em agonia, e todas as pessoas ao seu redor, tanto escravos quanto membros da “casa grande”, seguem com suas atividades sem se importar com o homem às portas da morte que agoniza diante deles. Crianças brincam, mulheres lavam roupa e a esposa de Ford o observa da varanda como se visse um boi a ser abatido e não um ser humano.

Na verdade, toda a violência do filme é mais voltada para causar incômodo e repulsa pela sua brutalidade injustificada do que efetivamente tentar nos comover com o sofrimento dos personagens. As cenas de violência são longas e pontuadas por uma música que investe em acordes graves, que soam quase como algo saído de um filme de terror. Não é agradável de assistir, mas tampouco é a ideia de escravidão e de considerar alguém menos humano ou digno.
A montagem salta entre uma cena e outra muitas vezes sem fazer qualquer ligação entre elas, de um modo relativamente abrupto que acaba por nunca deixar clara a quantidade de tempo passada entre uma cena e outra. Assim sendo, o tempo apenas passa, mas nunca sabemos quanto, nos inserindo no mesmo universo perceptivo do protagonista que, cativo, também não deve ter uma noção muito clara da passagem de tempo.
A transformação de Solomon de homem livre em escravo é retratada com competência por Chwitel Ejiofor, mostrando que os danos da escravidão não são apenas físicos. Se no início ele se recusa a assumir sua condição, mas aos poucos sua vontade é quebrada e ele passa a recorrer a todo e qualquer expediente que possui apenas para garantir a sobrevivência, mas não se arrisca a algo mais. Ao fim do filme o vemos com um olhar opaco e apático, como se sua alma estivesse ausente do corpo e vemos como sua mente se acostumou aos anos de servidão no momento em que reencontra a família e pede desculpas, como se todo acontecido fosse de algum modo culpa dele.
Fica o destaque também para o trabalho de Lupita Nyong’o como a escrava Patsy, que inicialmente julga ser possível escapar dos horrores da escravidão se produzir bastante e deitar-se com seu senhor, o intempestivo Epps (Michael Fassbender), na esperança de que se afeiçoe a ela. Logicamente este é um terrível engano, Epps não deixa de vê-la como um objeto a ser usado, danificado e consertado a seu bel prazer e por mais que seus sentimentos o impeçam de lhe atingir com o chicote, não pensa duas vezes em ordenar que outro o faça. Assim, conforme o filme progride, vemos sua confiança erodir em um desespero e desamparo tão grande que chega a pensar em tirar a própria vida.
A breve presença de Brad Pitt como o carpinteiro Bass que martela de forma excessivamente expositiva e didática as ideias que o filme vinha até então construindo de modo bastante contundente. Incomoda também que a direção de Steve McQueen, que se mostrou muito mais arrojado em filmes como Hunger (2008) Shame (2011), pareça demasiadamente acomodada e convencional, era de se esperar que ousasse mais (como no citado plano-sequência), principalmente ao tratar de algo já tão explorado.
12 Anos de Escravidão é um poderoso retrato de como a aceitação e banalização do preconceito dão origem a uma sociedade bárbara e violenta e nos lembra dos horrores que decorrem de tudo isso.
Nota: 9/10

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