domingo, 8 de março de 2009

Os Boêmios Analisam: Watchmen


Watchmen é a adaptação de uma graphic novel escrita por Alan Moore um dos mais celebrados autores de HQ e é a única obra de quadrinhos a figurar entre a lista das 100 melhores obras literárias do século passado da revista Time. Watchmen é uma obra tão complexa que muitos diziam ser infilmável.

E como o diretor Zack Snyder se saiu adaptando algo que se apropria de recursos tão particulares de sua mídia? Relativamente bem, eu diria, apesar de longe do ideal. O filme filme começa no mesmo ponto da hq, com o assassinato de Edward Blake e aproveita para contextualizar um pouco o espectador através de alguns programas de TV. As mudanças em relação à hq já começam nessa cena, mostrando Blake lutando contra o invasor, o principal problema, e este perseguirá quase todas as lutas do filme, é o exagero contido nelas, os personagens socam através de paredes, dão saltos impossíveis, coisas que contrariam o espírito da HQ de pessoas normais combatendo o crime.

A sequência de créditos mostra através de fotos a história dos Minutemen, primeiro grupo de super-heróis e pouco aborda este período no resto do filme à exceção dos flashbacks de Sally Júpiter, a música The Times They Are A-Changin de Bob Dylan que toca na abertura dos filmes é uma das poucas boas escolhas da equivocada seleção de músicas de Snyder(Sound of Silence, por exemplo, aparece totalmente deslocada no enterro de alguém tão amoral quanto Eddie Blake).

A partir daí acompanhamos as investigações do paranóico herói Rorschach acerca da morte de Blake. O trabalho do ator Jackie Earle Haley(Pecados Íntimos) como o personagem é simplesmente perfeito, utilizando a entonação monótona de falar que é sugerida nos quadrinhos e nos fazendo sentir repulsa e ao mesmo tempo admiração por sua ameaçadora figura, ele é um dos personagens mas bem trabalhados pelo filme, embora tenha sentido falta de alguns dos seus flashbacks na conversa com o psiquiatra que ajudariam mais a estaabelecer sua motivação para se tornar super-herói.

O outro personagem que é mais destacado no filme é o Dr Manhattan cuja cena em marte, apesar de não tão complexa, elaborada e cheia de transições como a hq, consegue nos fazer entender a sua percepção simultânea de tempo. Os efeitos especiais que criam o personagem funcionam muito bem e o ator Billy Crudup acerta o tom do personagem ao adotar uma fala suave, quase inteiramente racional, mas com uma leve tristeza, quase como se Manhattan lamentasse a humanidade que perdera.

Fechando o conjunto de grandes atuações no filme está Jeffrey Dean Morgan como o Comediante, apesar do pouco tempo de tela ele consegue mostrar muito bem o cinismo e amoralidade de Blake, sem deixar de nos chocar com o fato de que apesar de sua canalhice e pessimismo, ele provavelmente tem uma visão de mundo bastante realista.

O competente Patrick Wilson está apenas correto como o Coruja, assim como Malin Akermann e sua Espectral II. O personagem de Wilson, entretanto, acaba mais prejudicado pelo físico do ator que falha em exprimir a decadência de Dan Dreiberg. O Ozymandias de Matthew Goode é um pouco mais andrógino do que na hq(que tinha apenas uma menção do Rorschach sobre a possibilidade dele ser homossexual), mas isso não chega a interferir muito uma vez que Veidt é predominantemente definido na hq por suas ações e motivações e não por sua personalidade.

O roteiro escrito pelo competente David Hayter(X-Men 1 e 2, além dele ser a voz do fodão Solid Snake) e do estreante Alex Tse funciona muito bem, apesar do ritmo inconstante, até a parte final. Não, não irei reclamar aqui da remoção do monstro, nesse aspecto o novo final funciona perfeitamente, pois os arcos paralelos que mostrariam a origem do monstro tomariam muito tempo e confudiriam o espectador. Por outro lado, a ausência de alguns outros arcos, mais especificamente os dos humanos "não-heróis", acaba diminuindo o impacto da sensação de pânico causada pela iminência de uma guerra nuclear e da solução final de Ozymandias. A presença do tigre Bubastis também perde o sentido nesse novo final, uma vez que ele era fruto das experiências de manipulação genética do Ozymandias e que não aparecem no filme.

O epílogo também acaba prejudicado com algumas escolhas óbvias do roteiro, como o Coruja gritando após a morte do Rorschach(sério que alguém ainda cogita uma cena dessas?) ou a necessidade de "castigar" Ozymandias, além disso criar um juízo de valor que subestima a inteligência do espectador ao mostrar com todas as letras que ele é o "vilão" ainda descaracteriza o Coruja, na hq ele é apenas um homem comum que se envolve com algo grande demais para ele e aqui, apesar de demonstrar passividade o filme inteiro, toma a (inútil) ação de socar o Ozymandias.

Apesar de não possuir o mesmo impacto da graphic novel, não podemos deixar de aplaudir a coragem de todos os envolvidos em entregar um filme complexo(alguns detalhes só poderão ser percebidos assistindo mais de uma vez o filme) e que instiga tantas reflexões no espectador, tratando-o finalmente como adulto e não como um imbecil que precisa ser guiado pela mão para acompanhar um filme como faz a maioria dos blockbusters.

Nota 8

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