quarta-feira, 28 de junho de 2023

Rapsódias Revisitadas – Jurassic Park: Parque dos Dinossauros

 

Crítica – Jurassic Park: Parque dos Dinossauros

Review – Jurassic Park: Parque dos Dinossauros
É impressionante como um filme lançado há trinta anos atrás se sustenta melhor do que muitos blockbusters recentes, mas é exatamente o que acontece com Jurassic Park: Parque dos Dinossauros. Lançado em 1993 e dirigido por Steven Spielberg adaptando um livro de Michael Crichton, é o tipo de produção de alto orçamento que quase não encontramos mais hoje. Um filme focado em encantar e entreter ao invés de tentar fisgar o público com nostalgia rasteira ou com easter eggs a um universo compartilhado. Um filme mais preocupado com o presente de sua história e seus personagens do que em estabelecer múltiplas continuações ou inserir personagens a serem usados em produções futuras. Algo que você podia simplesmente sentar no cinema ou em sua casa com pipoca nas mãos, dar play e curtir sem precisar ter conhecimento de um monte de filmes que vieram antes.

Na trama, o ricaço Hammond (Richard Attenborough) consegue recriar dinossauros e cria um parque para exibi-los como atrações. Para checar a viabilidade do parque ele chama os paleontólogos Alan Grant (Sam Neill) e Ellie (Laura Dern), além do matemático Ian Malcolm (Jeff Goldblum). A expedição inaugural do parque também conta com os netos de Hammond, Lex (Ariana Richards) e Tim (Joseph Mazzello). Quando a ilha na qual o parque fica é atingida por uma tempestade e os dinossauros ficam à solta no local, os personagens precisam encontrar um meio de escapar da ilha.

Spielberg filma os dinossauros com um senso de reverência e respeito. Ele entende a beleza, o esplendor e o fascínio que essas criaturas despertam em nós, algo evidente na cena em que Alan e Ellie veem dinossauros pela primeira vez no parque. O elenco ajuda a vender esse senso de encantamento, com o olhar de choque e deslumbre nos rostos de Alan e Ellie nos convencendo de que esses paleontólogos experientes estão vendo o trabalho de suas carreiras ganhar vida diante de seus olhos

Spielberg, no entanto, compreende também o quanto essa natureza ancestral pode ser ameaçadora. Ao construir os momentos de tensão envolvendo os dinossauros ele vai aos poucos sugerindo suas presenças antes de mostrá-los a nós. Isso é percebido desde o ataque na cena de abertura, no qual ele nos sugere a ameaça e a violência da criatura sem nunca mostrá-la explicitamente, acendendo nossa curiosidade. Depois, no ataque do tiranossauro na chuva, Spielberg vai aos poucos sugerindo a presença da criatura com a visão dos restos do animal usado como isca sendo jogado diante dos jipes, os leves tremores e a vibração no copo de água sugerindo a presença de algo massivo se aproximando, a visão embaçada da cabeça do dinossauro pelos vidros do carro das crianças para só então revelar todo o tiranossauro e a esse ponto já tememos o que pode acontecer. Essa construção também se mostra quando Tim e Lex estão comendo no restaurante do centro de visitas. A gelatina na colher de Lex começa a tremer e então vemos o rosto de pavor da garota até a câmera girar e nos revelar o contraplano da sombra de um velociraptor se aproximando dela e de Tim.

Esse senso de tensão envolvendo os dinossauros se sedimenta no fato de que o filme não tem reservas em eliminar seus personagens. Claro, imaginamos que não vamos ver as crianças sendo destroçadas por uma das criaturas, mas tirando isso muitas pessoas que imaginaríamos que seriam capazes de sobreviver acabam morrendo. O melhor exemplo é Muldoon (Bob Peck), o experiente caçador responsável pela segurança do parque seria, em tese, a pessoa melhor equipada para lidar com a ameaça dos velociraptors e ainda assim é emboscado por eles e morto. Considerando que Ian, o personagem que até então tinha melhor enxergado a ameaça do parque, está seriamente ferido e Muldoon é brutalmente morto, há uma sensação clara de que os demais tem pouca chance de sobreviverem e que a morte está à espreita.

Não seria possível falar do encantamento e do suspense que o filme cria sem mencionar a trilha musical composta por John Williams. Parceiro costumaz de Spielberg, Williams entrega aqui um de seus mais envolventes trabalhos. O tema principal, que toca quando Alan e Ellie veem os dinossauros pela primeira vez, é uma ode ao esplendor da natureza, cheia de encantamento e também de senso de aventura conforme a melodia se acelera. A cena em que o advogado acompanha um mineirador recuperar um mosquito preservado em âmbar é marcada por uma música etérea, quase fantasmagórica, enquanto a cena corta para o fóssil escavado por Alan. Ter essa melodia aplicada a imagens de itens do passado sendo desenterrados dá a impressão de que esse passado está prestes a assombrar e se materializar no presente, algo que de fato acontece quando chegamos ao parque. A música também é eficiente em marcar as cenas de tensão, como a perseguição ao jipe pelo tiranossauro ou o momento em que as crianças se escondem dos raptors na cozinha.

Os efeitos visuais são outro elemento que ajudam a compreender a permanência do filme. Ao invés de recorrer apenas a computação gráfica, a produção mescla imagens computadorizadas com o uso de animatrônicos, o que ajuda a dar um senso de materialidade às criaturas. Quando Ellie e Alan visitam um triceratops doente, sentimos o encantamento e o senso de descoberta dos personagens porque percebemos que a criatura está ali, em cena, com os atores. Eles não estão interagindo com um objeto verde, mas com algo que está ali diante deles e realmente parece um ser vivo. O mesmo acontece no primeiro ataque do tiranossauro e percebemos que a cabeça da criatura é um animatrônico que está interagindo de verdade com as crianças. Tudo bem que algumas tomadas computadorizadas não envelheceram bem e as texturas simples denunciam a artificialidade em alguns momentos, mas a condução de Spielberg é tão eficiente que mesmo quando percebemos os efeitos datados ainda permanecemos imersos na tensão.

Isso se reflete nas várias imagens marcantes que o filme consegue criar, seja na já citada primeira visão dos dinossauros, seja no momento em que Alan, Ellie e as crianças são “salvos” por um tiranossauro que ataca os velociraptors que os perseguiam, encerrando com uma apoteótica tomada do tiranossauro rugindo enquanto a faixa que afirmava o domínio passado dos dinossauros no planeta cai lentamente atrás dele, mostrando que esse domínio não ficou no passado. Igualmente marcante é o momento em que Lex e Tim fogem dos raptors e um dos dinossauros para diante da luz de um projetor que ilumina seu corpo com sequências de DNA, lembrando a nós que a criatura que estamos vendo é fruto da ciência e não da natureza.

Esse tipo de metáfora visual também está presente na cena em que Alan passa a noite com as crianças no topo de uma árvore e diz que vai ficar acordado enquanto elas dormem para mantê-las seguras. Quando as crianças se apoiam nele para dormir, um plano detalhe mostra a garra fossilizada que Alan carregava consigo caindo no chão. A garra tinha sido usada por ele no início do filme para assustar uma criança que desdenhou de seu trabalho, funcionando como um símbolo do quanto o personagem detestava crianças. Ao fazê-lo perder a garra justamente no momento em que decide acolher e proteger Lex e Tim, Alan deixa de lado seu desprezo por crianças, perdendo justamente o objeto que representava sua atitude anterior.

Além de uma aventura eficiente, cheia de tensão e encantamento, o filme também traz uma reflexão sobre ética científica e ganância corporativa. Como diz Ian, só porque Hammond é capaz de recriar dinossauros, não significa que deveria, já que trazer de volta espécies extintas pela ação da natureza (e não do ser humano) poderia trazer graves desequilíbrios para nossa biosfera (algo que as continuações praticamente não exploram). É curioso, inclusive, que o advogado de Hammond inicialmente está cético quanto ao parque, mas assim que vê as criaturas só consegue falar do tanto de dinheiro que o local irá fazer, mostrando como esses tipos corporativos não conseguem enxergar nada além de cifras. Essa arrogância e falta de escrúpulos da humanidade em tentar controlar a natureza é punida quando os dinossauros escapam e a descoberta que eles conseguiram procriar apesar dos mecanismos de engenharia genética nos lembram de que a humanidade não tem qualquer capacidade de conter a natureza.

Ainda assim, a impressão é que o filme suaviza algumas coisas em relação às críticas que o livro faz a esse cinismo corporativo. O Hammond do filme é um sujeito mais bondoso e benevolente, movido mais por um progressismo ingênuo do que pelo desejo de lucrar ou soberba, ainda que o otimismo deslumbrado dele no filme o torne míope ao fato de que não tinha como controlar as criaturas. De um lado isso ajuda a humanizar o personagem, mas por outro tira dele a culpa pelo que acontece no parque. No livro muitos dos problemas acontecem por Hammond querer cortar custos e explorar ao máximo o potencial de lucro do parque (no filme ele menciona constantemente que não poupou custos), inclusive no fato de que todos os sistemas de computadores serem feitos por uma única pessoa que fica sobrecarregada de trabalho, recebendo demandas além do que estava em seu contrato, no escuro quanto ao escopo do projeto do parque e não recebendo o suficiente.

No filme Dennis Nedry (Wayne Knight) ainda está presente, mas a exploração de seu trabalho é pouco trabalhada na trama quando no livro a InGen ameaça destruir a reputação de Nedry quando ele menciona a possibilidade de um processo, sendo obrigado a continuar o trabalho no parque por saber que não tem como enfrentar os advogados da empresa. No livro fica explícito que Dennis tenta voltar para religar os sistemas depois de roubar os embriões, mas se perde e é morto por um dinossauro, como ele era o único funcionário, ninguém sabe exatamente como fazer tudo voltar. No filme fica a impressão que Nedry nunca teve intenção de religar os sistemas e planejava fugir do parque. Isso deixa a impressão de que a falha é menos culpa da irresponsabilidade e soberba de Hammond e mais de um funcionário ganancioso.

Sim, o filme até menciona que Dennis não estava sendo adequadamente pago, mas a maneira como a trama enquadra isso faz soar mais como queixas de alguém insatisfeito movido por cobiça do que uma demanda legítima de um trabalhador explorado por um patrão inescrupuloso (principalmente por conta do olhar mais positivo sobre Hammond). Hammond é basicamente o vilão do livro, movido mais por impulsos capitalistas do que pelo seu encanto pelas criaturas, sempre culpando os outros pelos problemas e sempre achando que pode fazer um novo parque maior ou melhor. Se no filme ele encontra alguma redenção ao finalmente perceber os problemas que seu uso leviano da ciência causaram, no livro ele está além de qualquer redenção e é devorado por dinossauros.

Essa lição sobre a ganância e falta de escrúpulos de grandes corporações em insistir a continuadamente reviver coisas que deveriam ser deixadas em paz infelizmente não foi aprendida por Hollywood, que insistiu em tentar construir uma franquia em torno de Jurassic Park com continuações cada vez piores que nunca chegaram aos pés do original. Essas produções, porém, não apagam o legado do original, que permanece até hoje como uma excelente aventura, visualmente envolvente e com um hábil manejo de suas cenas de ação.


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