quinta-feira, 1 de junho de 2023

Rapsódias Revisitadas – As Pontes de Madison

 

Análise Crítica – As Pontes de Madison

Review – As Pontes de Madison
Lançado em 1995 e adaptando um romance escrito por Robert James Waller, As Pontes de Madison é uma narrativa sobre busca e desejo. Não necessariamente desejo sexual, mas o desejo por conexões humanas, por uma existência com significado e um senso de pertencimento. Um sentimento que quando encontrado por nos arrebatar e modificar para sempre, independente de uma curta duração.

A trama é protagonizada por Francesca (Meryl Streep) uma dona de casa do interior de Iowa na década de 60 que fica com quatro dias só para si quando o marido e os filhos viajam para uma feira agrícola. É aí que ela conhece o fotógrafo Robert Kincaid (Clint Eastwood) que está na região para fotografar as pontes cobertas da área para a revista National Geographic. Ambos se conectam e vivem um caso de amor nesses quatro dias que muda a trajetória deles para sempre.

A narrativa vai aos poucos construindo a conexão entre os dois personagens, que começa a partir de uma troca amistosa e de uma curiosidade genuína sobre o outro, aos poucos se desenvolvendo em uma forte conexão afetiva conforme eles vão se reconhecendo um no outro. São duas pessoas marcadas por seus fortes anseios por significado em suas relações, ambos se sentindo à deriva em suas vidas e, cada um ao seu modo, isolados. Considerando o curto período de tempo em que a narrativa se passa, dar a sensação de um caso assim poderia ter um impacto tão grande na vida dessas pessoas poderia ser difícil de tornar convincente, mas a trama é eficiente em fazer o espectador entender o peso disso para os dois personagens.

Boa parte do mérito vem do casal protagonista. Meryl Streep coloca em Francesca uma melancolia, um anseio por ver mais e viver mais do que sua modesta vida de dona de casa e pequena comunidade rural lhe permitem. Uma imigrante italiana com uma visão de mundo mais ampla do que os habitantes de sua cidade, ela se sente desconectada daquele lugar e em busca de uma conexão que lhe rememore de um mundo maior que deixou para trás. Streep traz isso, esse desejo, esse anseio, em toda sua composição da personagem, de seu olhar à linguagem corporal. Conforme o caso dela com Kincaid vai se tornando mais intenso, vemos a personagem passar a usar o cabelo solto, simbolizando o senso de liberdade que aquela relação lhe traz.

Eastwood, célebre por seus personagens mais estoicos e durões, faz aqui um sujeito cuja conduta pragmática e direta traz subjacente uma grande sensibilidade. Kincaid é um sujeito que rodou o mundo, conhece muita coisa, mas nunca se conectou verdadeiramente a nada. Seu vaguear, por mais que ele não perceba ou nunca tenha pensado nisso, carrega em si um anseio por esse tipo de conexão, por algo que lhe dê esse senso de pertencimento e em Francesca ele reconhece alguém tão marcada pelo mesmo desejo que ele, expondo para ela suas vulnerabilidades. Quem não se emocionar com a cena de Kincaid na chuva provavelmente já desistiu de amar.

A direção de Eastwood confia nos personagens, mantendo a câmera neles em takes longos, com poucos cortes e poucos movimentos de câmera, deixando que as ações deles nos informem de seus sentimentos. É curioso como mesmo sendo bastante discreto na maneira como filma cenas de beijo ou sexo, a condução de Eastwood consegue criar um intenso clima de intimidade e desejo. Isso fica evidente na cena em eles dançam juntos pela primeira vez e a câmera nos dá longos planos dos rostos dos personagens se olhando e si aproximando conforme a carência se torna vontade e então dá lugar a um irrefreável desejo, selando a paixão arrebatadora que toma essas duas pessoas. Eastwood não precisa nos mostrar longos beijos ou cenas de nudez para nos fazer sentir a pulsão sexual envolve seus personagens e a sensualidade subjacente que há entre eles. Uma economia estilística que possivelmente maximiza a força dos sentimentos de seus personagens.

Durante o filme, os interlúdios para o tempo presente da trama, com os filhos de Francesca lendo os diários dela, pode até soar como elementos que atrapalham o ritmo, mas ao final eles soam essenciais para a narrativa conforme as tramas dos filhos amarram as reflexões sobre afeto, desejo e significado. Ao lerem sobre o desejo contido da mãe, sobre a resignação a um casamento que não lhe locupletava, embora não necessariamente fosse nocivo ou infeliz, ou como uma conexão afetiva real nos transforma os filhos carregam esses aprendizados para suas próprias vidas.

Claro, é um melodrama que não reinventa a roda, nem transforma o gênero de nenhuma maneira, seja estética ou narrativa, mas ainda assim As Pontes de Madison apresenta uma inegável força emocional que nos prende às órbitas dos seus personagens e nos envolve na intensidade afetiva de seu relacionamento de uma maneira que poucos filmes conseguem.

 

Trailer


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