segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Crítica – A Baleia

 

Análise Crítica – A Baleia

Review – A Baleia
Apesar de uma longa carreira ao longo dos anos 90 e na primeira década dos anos 2000, Brendan Fraser sumiu dos holofotes por um tempo em parte por alguns fracassos de bilheteria e em parte por ter denunciado assédio sexual na indústria durante um tempo em que fazer isso resultava em ser ostracizado. Fraser merecia uma carreira melhor e este A Baleia é um exemplo do quanto ele é capaz de entregar, apesar de uma direção que caminha em descompasso com o roteiro.

A narrativa é protagonizada por Charlie (Brendan Fraser), um homem morbidamente obeso que dá aulas online de literatura, mas nunca abre sua câmera aos alunos. Charlie está com um severo problema cardíaco e recusa tratamento médico, recebendo o prognóstico que tem uma semana para viver. Assim, Charlie se conforma com seu destino, tentando usar o tempo que resta para se reaproximar da filha, Ellie (Sadie Sink), embora a enfermeira Liz (Hong Chau), melhor amiga de Charlie, insiste em tentar salvá-lo.

Adaptando a peça teatral escrita por Samuel D. Hunter, que assinou o roteiro, o filme mantem toda a narrativa dentro do apartamento de Charlie, dando o senso de clausura e alienação, refletindo o isolamento de Charlie do mundo. O protagonista é um sujeito solitário, profundamente inseguro por conta de sua aparência e também pelo sentimento de culpa envolvendo vários elementos do seu passado. Por outro lado, Charlie é um sujeito profundamente otimista que tenta ver o melhor potencial nas pessoas apesar de não conseguir o mesmo por si.

Em cena durante boa parte do tempo, Fraser traz uma enorme vulnerabilidade e calor humano a Charlie. Desde a primeira cena, quando ouvimos sua voz em uma aula online sem ver seu rosto, é possível perceber a compaixão na fala de Charlie e ao longo do filme Fraser nos faz entender de onde vem esse otimismo e também o motivo dele ser tão profundamente inseguro ao ponto de pedir desculpas por qualquer coisa a todo momento. É um personagem complexo e o trabalho de Fraser consegue trazer a nuance necessária para entendermos o quanto Charlie foi maltratado pela vida, sendo alvo de homofobia e posteriormente de ojeriza por conta de sua imagem física, além de carregar a culpa por ter deixado a filha quando pequena para poder sair do armário.

Falando em culpa, o filme examina como muito do que foi incutido no personagem e no seu trágico relacionamento passado vem de pontos de vista religiosos, examinando o impacto que esse tipo de discurso tem em promover a intolerância, bem como as consequências físicas e psicológicas que se impõem sobre quem vive nesse ambiente. As contradições deste discurso são materializadas na figura do jovem missionário, Thomas (Ty Simpkins), que visita Charlie com certa regularidade e tenta convertê-lo. O fato de Thomas ter seus próprios problemas no passado e ainda assim se achar no direito de julgar Charlie mostra bem a hipocrisia desse tipo de conservadorismo moral.

Além de Fraser é possível destacar o trabalho de Hong Chau como Liz. A enfermeira claramente tem uma preocupação grande por Charlie (e o motivo disso é posteriormente explicado) e claramente sofre ao ver o amigo praticamente se autodestruindo. Embora ocasionalmente externe seus sentimentos quando perde a calma com Charlie, Chau nos permite ver o desespero contido de Liz a todo momento.

Se o elenco e o texto tentam a todo o tempo dar complexidade e humanidade aos personagens, o mesmo não pode ser dito do modo como Darren Aronofsky filma a jornada de Charlie. Em muitos momentos a câmera constrói um olhar bestificado sobre Charlie, tratando-o mais como uma criatura, um sentimento amplificado por acordes musicais que parecem saídos de um filme de terror, do que como o humano complexo que Fraser e o texto tentam apresentar. Quando tenta abordar as dificuldades cotidianas de Charlie ou momentos em que explora seu frágil estado de saúde física e mental Aronofsky filma como se estivesse diante de um body horror do David Cronenberg explorando mais a visualidade grotesca do que humanizar as dificuldades que ele encontra. Isso fica evidente, por exemplo, no momento em que Liz o auxilia quando ele se engasga ou no segmento em que Charlie começa a comer compulsivamente depois de uma experiência ruim.

É uma pena que essa condução tire parte da força do que poderia ser um estudo de personagem ainda mais impactante. A Baleia, portanto, se sustenta na sensibilidade da interpretação de Brendan Fraser e do resto do elenco, prejudicado por uma direção que não parece interessada em humanizar seu protagonista.

 

Nota: 7/10


Trailer

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