domingo, 15 de janeiro de 2023

Lixo Extraordinário – Zardoz

 

Crítica – Zardoz

Review – Zardoz
Na década de 70 o diretor John Boorman vinha de seguidos sucessos. Depois de À Queima Roupa (1967) e Amargo Pesadelo (1972) Boorman gozava de prestígio e liberdade criativa em Hollywood o suficiente para conseguir fazer o que quisesse. Seu primeiro instinto foi tentar adaptar a trilogia O Senhor dos Anéis, que seria produzida pela United Artists, mas o estúdio desistiu durante a pré-produção ao perceber o alto valor. Tendo perdido a possibilidade de levar Tolkien para as telas, Boorman resolveu criar do zero um projeto de fantasia e ficção científica em Zardoz.

Lançado em 1974, o filme originalmente seria protagonizado por Burt Reynolds, que trabalhou com Boorman em Amargo Pesadelo. Por conta de alguns problemas de saúde, Reynolds saiu do filme e foi substituído por Sean Connery, que buscava algo diferente para mostrar à indústria que era mais do que James Bond. O (merecido) retumbante fracasso de Zardoz quase enterrou a carreira de Connery.

A trama se passa no final do século 23 (e não em 2023 como vem sendo dito na internet) em um mundo que parece ter voltado a ser primitivo. Esses humanos primitivos são chamados Brutais e vivem para cultivar trigo e entregá-lo a uma divindade chamada Zardoz, que se manifesta na forma de uma grande cabeça de pedra voadora (o episódio Raising Gazorpazorp de Rick & Morty é uma referência a Zardoz). Para manter esses seres primitivos sob controle, Zardoz emprega os chamados Exterminadores, homens violentos que recebem armas de Zardoz para manter a ordem. Um desses Exterminadores é Zed (Sean Connery), que resolve entrar na cabeça flutuante para descobrir onde ela leva. Ele chega até o Vórtice, um lugar paradisíaco habitado pelos Eternos, humanos com poderes psíquicos que evoluíram ao ponto de se tornarem imortais e agora vivem uma existência entediante.

De cara chama atenção o visual precário, mesmo para a época. É impossível não rir ao ver Sean Connery com uma longa trança no cabelo, sunga vermelha e botas de cano alto. O personagem deveria ser um assassino violento, mas parece um stripper barato. Essa precariedade se manifesta desde os primeiros minutos, quando o filme abre com uma tela preta na qual a cabeça do mago Zardoz (Niall Buggy) flutua. O figurino dele consiste em um lenço na cabeça e um cavanhaque desenhado no rosto com o que parece ser uma caneta preta. Isso já dá uma cara de teatro mambembe à produção, afinal porque não deixar o ator crescer o cavanhaque?

Nessa cena inicial o mago já mastiga ao público alguns dos temas principais do filme e entrega a principal reviravolta, a de que o mago era uma fraude criada para manipular a humanidade. Considerando que Zed leva mais da metade da narrativa até descobrir isso (o nome Zardoz é uma abreviação de WiZARD of OZ) esse spoiler inicial já contribuiu para tornar o filme um exercício de paciência. Mesmo que não houvesse essa cena inicial, não melhoraria muito as coisas, já que a produção é uma bagunça tonal e temática.

A trama tenta discutir natureza humana, primitivismo, patriarcalismo, intelectualidade, mortalidade, sexualidade e uma série de outros temas que são complexos demais e exibidos de maneira muito passageira para produzir qualquer reflexão, soando mais como uma colagem aleatória de ideias jogadas no texto conforme vinham na cabeça do diretor e roteirista John Boorman. Em muitos momentos o filme chega a ser constrangedor no modo como tenta falar de ideias como sexualidade. Em uma cena Consuela (Charlotte Rampling) menciona que nenhum dos Eternos tem ereções há séculos, provavelmente pelo fato de que eles não precisam procriar e todos ficaram entediados demais para transar. Ela então tenta experimentar com Zed para ver se ele consegue ter uma ereção e mostra diversas imagens de nudez e sexo. Quando o protagonista de fato tem uma ereção, todos aplaudem.

É algo que parece saído de um pornô softcore ruim, sendo mais constrangedor do que uma sacada inteligente. Entendo que a ideia era pensar no sexo como um impulso mais primordial e que os Eternos funcionam como uma crítica a uma sociedade que se baseia meramente em um intelectualismo objetivo abre mão de parte de sua humanidade, mas é construído de uma maneira tão trôpega e tão risível que essas reflexões nunca produzem o efeito que pretendem. Havia até um potencial aqui, se a produção tivesse mais orçamento e um texto melhor organizado, ao invés da bagunça constrangedora presente aqui.

Há também uma série de situações que sequer fazem sentido. Desde o momento em que Zed chega ao Vórtice a trama estabelece que os Eternos tem habilidades psíquicas poderosas. Mais adiante, porém, quando eles decidem matar Zed, o meio escolhido é sufocar o protagonista em um saco plástico, do qual ele obviamente escapa. Porque não usar seus poderes para ao menos paralisar Zed? Eles esqueceram que tem poderes mentais? Em outro momento Consuela furtivamente se aproxima de Zed com uma adaga para matá-lo (de novo, eles esqueceram que tem poderes psíquicos?) apenas para desistir do nada e confessar que o ama. Até então não havia qualquer pista que a personagem pudesse sentir qualquer coisa por Zed, então essa reviravolta é completamente gratuita.

Na verdade, ao longo do filme fica a impressão que muitas regras que regem o funcionamento daquele universo surgem do nada e a cada novo conceito, nova casta ou novo termo tudo fica mais bagunçado ao invés de se tornar mais complexo. A impressão é que Boorman ficou tão livre para fazer o que bem entendesse que não tinha ninguém para avisá-lo de que o material era uma confusão incoerente. Assim, ao invés de resultar em uma complexa ficção científica que ponderaria sobre a condição humana, Zardoz soa mais uma egotrip descontrolada de seu criador que resulta em um produto constrangedor e equivocado.


Trailer



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