terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Crítica – Os Banshees de Inisherin

 

Análise Crítica – Os Banshees de Inisherin

Review – Os Banshees de Inisherin
Os filmes do diretor Martin McDonagh costumeiramente trazem sujeitos que buscam viver em paz, mas inevitavelmente se envolvem em atos de violência absurda. Em Os Banshees de Inisherin ele tem provavelmente seu filme mais introspectivo sobre esse tipo de história e provavelmente o melhor desde Na Mira do Chefe (2008).

A trama se passa na ilha de Inisherin na Irlanda na década de 1920. O povoado da ilha segue alheio aos bombardeios da guerra que ocorre fora, mas uma desavença aparentemente banal altera o cotidiano do povoado. Um dia o pacato Padraic (Colin Farrell) descobre que Colm (Brendan Gleeson) não quer mais ser seu amigo apesar dos dois sentarem juntos no pub local para conversar ao longo das últimas décadas. Inconformado com a decisão aparentemente sem motivo, Padraic exige explicações de Colm e isso vai gerar consequências cada vez mais absurdas.

É possível pensar no conflito entre os dois como uma metáfora da guerra civil irlandesa, com duas pessoas iniciando um conflito destrutivo por pequenas diferenças, mas também como uma análise de perspectivas opostas para um certo grau de pavor existencial. Ninguém da vila fica surpreso que o motivo de Colm em não mais querer falar com Padraic é o fato dele ser um sujeito simplório e entediante que não tem nada para dizer além de falar horas a fio sobre as fezes de seus animais.

Por ser mais velho, Colm crê que está próximo da morte e decide não mais perder tempo com as banalidades do amigo, preferindo se dedicar à sua música e a compor algo que fique na memória. Brendan Gleeson constrói Colm como alguém dotado de um inabalável estoicismo em sua decisão de recusar a banalidade e tentar dar sentido a sua vida através da arte ou de alguma outra coisa que fique registrado. É a maneira do personagem para lidar com o senso de inevitável fim que o aguarda.

Já Padraic pensa o exato oposto. Ciente do quanto é simplório e limitado, o criador de animais aceita a pequenez de sua vida e se contenta em viver em seu pequeno povoado, com seus animais, o pub local e as relações de gentileza que cria com a comunidade. Ele entende sua insignificância no universo e alegremente (ou talvez ignorantemente) aceita uma vida insignificante e encontra felicidade nisso. Por outro lado, Siobhan (Kerry Condon), a irmã de Padraic se mostra claramente dividida entre o amor pelo irmão e pelo desejo de trabalhar fora da ilha. Nesse sentido Kerry Condon é bastante eficiente em nos fazer ver o quanto sua personagem anseia por algo mais na vida ao mesmo tempo em que se sente culpada em pensar em deixar o irmão.

A ruptura com Colm afeta a felicidade de Padraic, que busca um novo amigo em Dominic (Barry Keoghan), o idiota da vila. Apesar de ser apenas um abestalhado que não faz mal a ninguém, Dominic é maltratado por todos, principalmente pelo pai, servindo como uma espécie de válvula de escape para a agressividade das pessoas daquele local pacato e a língua solta do rapaz faz Padraic perceber as pequenas hipocrisias que cercam o local.

Colin Ferrell é eficiente em mostrar a tristeza causada a Padraic pelo afastamento de Colm e como essa pequena ação faz o mundo simples do protagonista desmoronar, forçando-o a lidar com sentimentos que ele próprio não sabe como extravasar, principalmente sua frustração e raiva. É nos momentos em que ele tenta colocar para fora a agressividade que o filme entrega alguns de seus momentos mais divertidamente sombrios e absurdos, como a cena em que ele entra no pub para informar a Colm o dia e a hora em que irá tocar fogo na casa do ex-amigo, dizendo esperar que ele esteja dentro de casa.

Todo o elenco ajuda a fazer o pequeno vilarejo soar como um lugar vivo e crível mesmo diante dos absurdos que vão ocorrendo ao longo da trama. Cada personagem tem seu momento ou frase marcante, como a cena em que o padre pergunta a Colm se ele acha que Deus se importa com jumentos, mas eu preciso destacar o trabalho de Sheila Flitton como a idosa Sra. McCormick, que funciona como uma banshee do mundo real, sempre rondando Padraic com algum agouro ou uma mensagem críptica sobre morte e exibindo uma certa alegria em ser essa presença sinistra.

Construindo uma divertida e contemplativa mistura de drama e comédia Os Banshees de Inisherin pondera sobre como lidamos com nossos pavores existenciais a partir de um ótimo elenco e roteiro afiado.

 

Nota: 9/10


Trailer

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