segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Crítica – Escola Base: Quando Um Repórter Enfrenta o Passado

 

Análise Crítica – Escola Base: Quando Um Repórter Enfrenta o Passado

Review Crítica – Escola Base: Quando Um Repórter Enfrenta o Passado
Qualquer pessoa que passou por uma faculdade de Comunicação certamente ouviu falar do caso da Escola Base. Exemplo basilar de como o jornalismo descuidado pode destruir a reputação e a vida de inocentes, a apuração do caso arruinou uma pré-escola em São Paulo e a vida dos donos depois que uma mãe fez denúncias delirantes sobre supostos abusos sexuais que as crianças eram submetidas na escola. Eventualmente foi provado que todos eram inocentes e nenhum abuso tinha ocorrido, mas o estrago na vida daquelas pessoas já estava feito. O documentário Escola Base: Quando Um Repórter Enfrenta o Passado coloca o repórter Valmir Salaro, que foi o primeiro a cobrir o caso em 1993, para refletir sobre a própria cobertura e os impactos dela na vida dos envolvidos.

É um raro caso de autocrítica da imprensa, que raramente assume responsabilidade pelos seus erros, com Valmir corajosamente se colocando na mira das câmeras para examinar o que podia ter sido feito de diferente e também conversando com as famílias afetadas para tentar realizar alguma medida de separação. Lógico, Valmir não foi o único responsável pela injustiça da apuração no caso e o documentário trabalha para mostrar os vários problemas que cercaram a investigação desde o início.

O documentário mostra a trajetória de Valmir, mostrando como ele cobriu casos importantes, inclusive casos de corrupção e violência policial, deixando claro que não estamos diante de um repórter de porta de delegacia que age mais como ASCOM da PM do que jornalista, mas de um profissional sério que, por uma série de fatores, cometeu um erro terrível.

Ao longo do filme vemos como a polícia se antecipou em divulgar detalhes do caso à imprensa, apresentando dados circunstanciais como provas definitivas e conduzindo o inquérito com base em especulação e não em evidências. Observando hoje a maneira como o delegado se porta durante a investigação é visível que ele não tinha nada que sustentasse o caso, mas cede à pressão dos holofotes (ou ao desejo de aparecer) e dobra a aposta, levando adiante, a trancos e barrancos um caso que não parava em pé, cheio de inconsistências entre testemunhos e o que é encontrado com os suspeitos e nenhuma evidência concreta dos abusos.

Nesse sentido, com o distanciamento cronológico e a possibilidade de olhar em retrospecto, vemos como a imprensa falhou em apontar os furos no inquérito, em questionar mais duramente o delegado ou em dar voz aos acusados diante de denúncias e investigações tão inconsistentes. Não havia nada ali que desse certeza dos abusos denunciados e, ainda assim, o jornalismo brasileiro não simplesmente seguiu as ações da polícia. Do mesmo modo, por ter falhado em ouvir os denunciados e dar a eles a segurança de que seu lado seria ouvido, a imprensa ignorou as torturas que os acusados sofreram nas mãos da polícia para serem coagidos a confessarem um crime que não cometeram. Uma falha que o jornalismo brasileiro também cometeu na apuração do desaparecimento do garoto Evandro no Paraná, também na década de 90, como foi mostrado na série documental O Caso Evandro.

Numa tentativa de reparação o documentário dá voz aos acusados da época, que mostram como a vida deles e de seus familiares foi destruída pela injusta acusação. Alguns inclusive aceitam em sentar para conversar com Valmir, rendendo as cenas de maior peso emocional do filme conforme o repórter, frente a frente com aqueles afetados por seu trabalho, se dispõe a finalmente ouvi-los e a reconhecer os erros cometidos. Se dispor a esse tipo de conversa e se colocar diante daqueles que prejudicou não é algo que muitos fariam, mas que mostra o comprometimento de Salaro com a seriedade de sua profissão. Inclusive é curioso como os acusados da época se dispõem a falar com o documentário sem problemas, mas a mãe que iniciou a onda de acusações sequer reconhece o envolvimento no caso, preferindo dizer que a equipe está diante de outra pessoa a falar sobre o que aconteceu. Do mesmo modo, o delegado também se recusa a falar, revelando como a situação se inverteu e agora são os acusadores que temem a visibilidade e o julgamento do público.

Deste modo, Escola Base: Quando Um Repórter Enfrenta o Passado é um duro exame das consequências da má apuração jornalística e como casos assim precisam ser lembrados para evitar que esse tipo de situação volte a acontecer.

 

Nota: 8/10


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