sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Rapsódias Revisitadas – Medo e Delírio em Las Vegas

 

Análise Crítica – Medo e Delírio em Las Vegas

Review – Medo e Delírio em Las Vegas
Em 1971 o jornalista Hunter S. Thompson iniciou o movimento chamado “jornalismo gonzo” ao transformar o que deveria ser uma simples reportagem esportiva sobre uma corrida no meio do deserto de Nevada em um livro que misturava fato e ficção, ponderando sobre o declínio do “sonho americano” e sobre o quanto ele viajou em drogas durante a viagem. O livro de Thompson foi adaptado para os cinemas em 1998 por Terry Gilliam em Medo e Delírio em Las Vegas. O filme não teve uma boa recepção crítica na época do lançamento e foi um fracasso comercial, mas com o tempo ganhou um status cult com audiências celebrando o passeio lisérgico que a obra faz pelo coração dos Estados Unidos e o clima político-social da década de 70.

A trama é protagonizada por Raoul Duke (Johnny Depp), um repórter que viaja para o deserto de Nevada para cobrir uma corrida. Ele está na companhia do advogado, Dr. Gonzo (Benicio del Toro), e uma mala cheia de drogas. No percurso de cobrir a corrida eles se perdem no efeito das drogas e o caos se instaura conforme eles embarcam em bad trips que os fazem pensar no ideal de “sonho americano”.

Sob a ótica alucinada das drogas, a Las Vegas, com sua busca por fortuna, exotismo, sexo e diversão, se descortina como uma síntese do “sonho americano” e se mostra como uma farsa tosca e vulgar na qual pessoas fantasiam a respeito de coisas que não terão enquanto ignoram a realidade decadente à sua volta. Las Vegas seria uma projeção de poder em um momento em que o país demonstra declínio, o Vietnã foi um fracasso, a contracultura não conseguiu promover as mudanças que imaginava e a confiança no Estado estava por um fio (três anos depois, em 1974, Richard Nixon seria derrubado pelo escândalo Watergate). Sob a ótica do texto de Thompson, a alucinação das drogas desvela a verdade ao invés de deturpá-la, porque só em um estado mental alterado é que todo aquele caos de cores, luzes e estímulos faria sentido.

A maneira como Gilliam filma visa justamente nos colocar dentro do torpor mental de seus protagonistas, recorrendo a planos holandeses para dar uma perspectiva “torta” ao que estamos observando, conferindo um caráter de instabilidade às imagens. Do mesmo modo, recorre constantemente a supercloses desalinhados com o olhar dos personagens, muitas vezes em contra-plongée, distorcendo as formas de seus rostos. A fotografia recorre a cores intensas para dar um ar lisérgico às paisagens e os ambientes colaboram para dar a impressão de que estamos em algum universo bizarro e surrealista ao invés do mundo real.

Depp e del Toro devoram o cenário como Raoul e Gonzo, embarcando completamente no excesso de seus personagens e na conduta autodestrutiva da bad trip de drogas nas quais eles se envolvem. Eles são auxiliados por um elenco coadjuvante igualmente competente em aceitar toda a bizarrice que os cerca, criando situações bastante pitorescas. Do estranho mochileiro vivido por Tobey Maguire, passando pelo alucinado policial rodoviário interpretado por Gary Busey, cada um desses personagens pontuais tem algo marcante e bizarro para fazer em cena.

Com a direção surrealista de Terry Gilliam e as performances pitorescas de seu elenco, Medo e Delírio em Las Vegas é um envolvente passeio pela bad trip bizarra que é o “sonho americano”.


Trailer

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