sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Crítica – X: A Marca da Morte

 

Análise Crítica – X: A Marca da Morte

Review – X: A Marca da Morte
Desde o início de X: A Marca da Morte é visível que a produção escrita e dirigida por Ti West que evocar tanto os slashers quanto os exploitations da década de 70. O diretor, no entanto, não está apenas replicando essas estruturas dramatúrgias, ele as usa para comentar o que lhe parece ser um ponto de virada cultural para o país.

A narrativa se passa em 1979 quando uma equipe de filmagem liderada por Wayne (Martin Henderson, de Virgin River) viaja até uma área rural do Texas para gravar um pornô. Não qualquer pornô, mas um com “cara de cinema” como diz o cinegrafista RJ (Owen Campbell). Wayne prevê que com a chegada do home video mais pessoas consumiriam pornô e que suas atrizes, Maxine (Mia Goth) e Bobby-Lynne (Brittany Snow), se tornarão estrelas. O que eles não esperavam é que as atividades deles desagradassem os idosos donos da propriedade e mortes começassem a acontecer.

De certa forma é a típica estrutura de filme de terror dos jovens cosmopolitas que se perdem em meio aos Estados Unidos rural e são “punidos” por sua devassidão, consumo de drogas e visões de mundo progressista. De certa maneira é isso, mas, ao mesmo tempo, esse cenário é usado para pensar como esse momento marca um ponto de virada no modo de vida estadunidense cujos sentidos permanecem em disputa nos campos sociais e políticos até hoje.

De um lado a ideia de uma sexualidade sem culpa, em que cada um é livre para explorar o próprio corpo e ter prazer nele, bem como a visão de uma sociedade sem estigma de raça ou gênero. Não é a toa a presença de um ator negro entre o elenco, tratado como um igual por eles. Do mesmo modo a decisão da operadora de som, Lorraine (Jenna Ortega), em querer atuar no filme marca esse momento em que uma mulher toma as rédeas do que quer fazer. Em oposição a isso estão os idosos da fazenda, sexualmente frustrados e reprimidos, presos a tabus arcaicos e se refugiando no conservadorismo religioso para esquecer os desejos não realizados.

O filme revela, portanto, como esse conservadorismo, ainda muito presente na sociedade estadunidense, não nasce de uma preocupação com a estabilidade da família ou qualquer outra justificativa comum. O conservadorismo vem da frustração afetiva, sexual e da incapacidade de lidar com a própria mediocridade. Ao invés de questionarem os próprios dogmas que lhes impedem de viverem como bem entendem, esses conservadores preferem impor julgamento aos outros, querendo que os outros passem a viver do mesmo modo frustrado e cheio de culpa.

A disputa no cerne da trama é entre os progressos obtidos ao longo da década de 60 e 70 por movimentos sociais, hippies e outros grupos e o ressentimento desse “Estados Unidos profundo” que se sente deixado para trás, ignorado e silenciado por essas transformações sociais. Um sentimento que perdura até hoje e é usado por políticos e televangelistas (como o que aparece no filme) como instrumento de poder, criando pânico moral para manter seguidores cada vez mais radicalizados.

No filme esse conflito explode logicamente em mortes sangrentas. A trama faz um bom trabalho em apresentar os perigos da fazenda para depois mostrar como tudo aquilo pode ser letal, construindo aos poucos a tensão e criando um clima de que a violência pode irromper a qualquer momento. Um exemplo é a cena em que Maxine nada em um lago e uma tomada aérea mostra um jacaré se aproximando da garota insuspeita. Muito da tensão vem de sabermos mais sobre a ameaça do que a própria personagem e embora ela sobreviva, posteriormente o jacaré retorna para fazer jus à ameaça que o filme construiu.

Apesar da “guerra cultural” posta em cena, é difícil não considerar que o filme tem uma visão um pouco romantizada do pornô, principalmente na época retratada, como esse espaço de liberdade sexual. Se naquele contexto histórico representava um contraponto a uma sociedade pudica e cheia de tabus, não podemos esquecer que se trata de um filme produzido na contemporaneidade e, portanto, tem um entendimento do que o pornô se tornou. É um tipo de produto que, no fim das contas, traz visões e expectativas pouco realistas sobre o sexo (as pessoas não transam na vida real como num pornô) e, além disso, é uma indústria que constantemente subjuga e explora mulheres, estando bem distante do ideal de liberdade de gênero e sexualidade posado aqui.

De todo modo, X: A Marca da Maldade é um eficiente slasher que pondera as disputas culturais em jogo na sociedade estadunidense e o papel do próprio terror nisso.

 

Nota: 7/10


Trailer

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