quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Crítica – Sandman

 

Análise Crítica – Sandman

Review – Sandman
Não tenho muita familiaridade com os quadrinhos de Sandman escritos por Neil Gaiman apesar de já ter ouvido bastante sobre ele e lido algumas histórias soltas. O anúncio de uma série baseada nele me deixou curioso e igualmente cauteloso considerando o quanto Deuses Americanos, outra série baseada em obra de Gaiman, desandou rápido depois de um começo promissor. Aparentemente Gaiman se fez mais presente durante Sandman justamente para evitar os problemas que Deuses Americanos teve.

Na trama, Sonho (Tom Sturridge) é um dos perpétuos, seres que controlam aspectos chave da nossa realidade. Ele reina sobre o Sonhar, dimensão na qual os seres humanos vão quando estão sonhando, e tem pleno domínio sobre nossos sonhos e pesadelos. Preso por humanos durante um ritual de magia que dá errado, Sonho passa quase todo o século XX em cativeiro. Quando finalmente escapa descobre que seu reino ficou em ruínas, os sonhos e pesadelos escaparam para o mundo material e seus objetos de poder estão na mão de humanos. Assim, Sonho parte em uma busca para reconstruir seu reino e seu poder.

Chama atenção o fato de Sonho estar longe de ser uma criatura benevolente. Apesar de lidar com um aspecto-chave da mente humana, o ser eterno vê tudo com uma frieza pragmática, como um burocrata preenchendo formulários, demonstrando pouco interesse nos humanos em si. Mais que isso, o protagonista demonstra ser intransigente com as pessoas que o cercam e implacável com quem o contraria. Tinha tudo para ser um protagonista insuportável, mas Sturridge insere nele uma melancolia e vulnerabilidade que permitem vislumbrar sentimentos reais por trás de toda a estoicidade de Sonho. Além disso, o arco do personagem é o de justamente conhecer melhor a humanidade, em seus méritos e falhas, aprendendo a lidar melhor com eles e ser mais flexível em suas regras.

O universo em si é outro ponto que desperta interesse. Com uma cosmologia na qual múltiplas entidades governam nossa existência, a narrativa sempre encontra meios interessantes de explorar os diferentes reinos ou as entidades que o presidem. A Morte (Kirby Howell-Baptiste), por exemplo, é longe do ser sombrio de outras representações, sendo construída aqui como uma criatura compassiva, que entende o peso e a importância do papel que desempenha nas vidas humanas. Lúcifer (Gwendoline Christie), por sua vez, é um ser ardiloso, que sempre guarda segundas intenções sob sua aparência imaculada. O duelo de astúcia entre Lúcifer e Sonho, por sinal, é um dos pontos altos da temporada.

A trama também dá destaque aos personagens humanos. Durante um episódio inteiramente passado dentro de uma lanchonete, vemos como os sonhos e pesadelos guiam a humanidade, demonstrando os perigos dos poderes de Sonho caírem em mãos erradas como as de John Dee (David Thewlis). Se Dee enxergava os sonhos como mentiras que maculam nossa existência, Sonho mostra como, na verdade, eles nos dão esperança de sermos melhores, nos move a agir para buscá-los. Por outro lado, o arco de Lyta (Razane Jammal) alerta para os perigos de usar o sonho como refúgio da realidade, se prendendo a coisas que não existem e deixando de agir no mundo real.

Embora nos momentos em que visita outros reinos fora da dimensão material a série construa imagens que pendam para o surrealismo e para o onírico, é estranho o quanto ela é convencional em termos de estilo. Considerando o quanto esses personagens são seres além da compreensão humana e capazes de dobrar a realidade era de se esperar que a trama arriscasse mais da construção dos planos, dos enquadramentos, dos movimentos de câmera, enfim de uma maneira de observar esse mundo que não fosse tão presa às convenções do audiovisual estadunidense. Com isso, a série nunca atinge plenamente o senso de encantamento que deveria evocar.

É também uma trama com um ritmo bem deliberado. Em alguns casos isso é necessário para ir aos poucos construindo os conflitos. Em outros momentos a série parece se perder em digressões que prejudicam o andamento da narrativa e tem pouco a acrescentar além de reforçar elementos que já foram trabalhados. É o tipo de estrutura que funciona bem em uma trama literária, mas não necessariamente em audiovisual.

Sandman é uma competente introdução ao universo onírico criado por Neil Gaiman, explorando o poder dos sonhos na experiência humana e apresentando personagens insólitos, ainda sua estética soe convencional demais para uma trama que nos leva a espaços tão distantes da realidade.

 

Nota: 7/10


Trailer

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