terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Crítica – Benedetta

 Análise Crítica – Benedetta


Review – Benedetta
Em Benedetta o diretor Paul Verhoeven faz uma reflexão sobre a materialidade da fé, tanto em termos do poder financeiro que as instituições religiosas exercem, tanto na influência que a religião (principalmente o catolicismo) tem sobre a formação de tabus acerca das relações carnais. Poderia ser um denuncismo raso e óbvio, mas o veterano diretor transita com habilidade entre os vários meandros complexos que tenta tratar.

Levemente baseado em uma história real, a trama é centrada em Benedetta (Virginie Efira), uma jovem freira que é colocada em um convento por seus pais ainda na infância. Benedetta é muito devota e com o tempo começa a ter visões com Cristo e diz falar com ele. Ao mesmo tempo, a freira se aproxima da noviça Bartholomea (Daphne Patakia), com quem começa a compartilhar sentimentos. Conforme as visões e profecias de Benedetta se tornam mais presentes e reais, ela sobe na hierarquia do convento, despertando inveja e desconfiança de algumas que tentarão usar o romance da protagonista com Bartholomea para derrubá-la.

A narrativa é inteligente em deixar a conduta de Benedetta e seu fervor religioso como algo ambíguo no sentido de nunca explicitar se as visões que ela tem são de fato algo sobrenatural, fruto de algum transtorno mental ou uma enganação pura e simples. A personagem parece acreditar com fervor em tudo que diz e faz, mostrando como uma crença cega pode dar espaço para um senso inquestionável de superioridade moral que desponta para radicalismo.

Desde o início vemos também como a igreja católica trata tudo como objeto de negociação financeira, desde a entrada de Benedetta no convento quando a irmã Felicita (Charlotte Rampling) exige um alto valor de doação para aceitar a menina, já que existem muitas garotas querendo ser freiras e um longa fila de espera para entrar no convento. A decisão de tratar as coisas que acontecem com a protagonista como milagres também vem mais pelo desejo de ganhos financeiros e políticos de um pároco local do que por razões espirituais ou metafísicas.

O fato de que apesar das possibilidades de Benedetta estar fingindo seja menos grave para a igreja do que sua relação sexual com outra mulher revela o materialismo hipócrita da igreja. Eles estão dispostos a fazer vista grossa a uma possível fraude desde que encha seus cofres, mas condenam alguém à fogueira por conta de sua sexualidade. Ou seja, é uma instituição que apesar de pregar o louvor a entidades metafísicas, tem um grande interesse em ganhos materiais e não se importa em dobrar seus dogmas desde que isso signifique mais fieis e mais dinheiro. No entanto, vilipendia a materialidade do desejo sexual e a satisfação carnal extraída do sexo, já que isso, por si, não pode ser revertido em ganhos para a instituição.

Que o padre que condena Benedetta seja justamente o sujeito que traz a peste negra para a pequena cidade na qual o convento é localizado é uma metáfora carnal para a corrupção moral e espiritual das instituições eclesiásticas. Verhoeven nunca perde de vista a possibilidade do metafísico, mas lembra que o contato com o divino é sempre mediado pelo mundo material e, portanto, indissociável de todas as vicissitudes da carne.

Desta maneira, Benedetta é um intenso indiciamento das hipocrisias das instituições religiosas, reconhecendo a complexidade das relações entre o metafísico e o mundo material.

 

Nota: 9/10


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