quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Rapsódias Revisitadas – Alemanha, Ano Zero

 

Análise – Alemanha, Ano Zero

Review – Alemanha, Ano Zero
Lançado em 1948, Alemanha, Ano Zero é o último da trilogia da Segunda Guerra Mundial feita por Roberto Rossellini. Nos dois filmes anteriores, Roma, Cidade Aberta (1945) e Paisá (1946), Rossellini se voltou para a Itália durante o nazi-fascismo e imediatamente pós-guerra. Neste terceiro, o diretor mira seu olhar na Alemanha pós-guerra, a devastação do país e o desamparo dos cidadãos.

A trama é protagonizada por Edmund (Edmund Kohler) um garoto que tenta encontrar maneiras de ajudar financeiramente a família depois que o pai adoece e o irmão mais velho teme procurar emprego e ser preso por ter servido no exército nazista embora tivesse sido obrigado a servir as forças armadas. Assim, Edmund vaga por uma cidade em ruínas até encontrar um antigo professor de sua escola (que também era um membro do partido nazista). O professor tenta estimular Edmund mas os conselhos dele são em direção de atitudes danosas para o garoto e para a família.

Parte do movimento do neorrealismo italiano, Rossellini conduz o filme seguindo boa parte dos ideais do movimento, prezando pelo uso de não atores, filmando sempre em locações e deixando as cenas, em especial as externas, soltas aos possíveis acasos. A câmera filma Edmund vagando pelas ruas quase como se estivéssemos em um documentário e o operador não soubesse previamente para onde o personagem iria seguir. Em muitos momentos o protagonista se defronta com eventos que nos deixam em dúvida se foram devidamente encenados ou se era algo que simplesmente aconteceu na rua, como o momento em que ele se aproxima de um grupo de pessoas aglomeradas ao redor de um cavalo morto tentando pegar a carne do animal para comer.

As paisagens cheias de prédios em ruínas e pessoas maltrapilhas revelam o estado de desamparo do país, no entanto, mais do que falar sobre a devastação material da Alemanha, o filme é também (e talvez principalmente) sobre as consequências morais do nazismo. Isso é ilustrado no arco de Edmund e em sua relação com o professor, que além de nazista é implicitamente um pedófilo.

Ao longo das interações com Edmund, o professor tenta convencer o garoto de que o melhor que para a família do garoto seria que o pai não estivesse mais presente, o pai não passaria de um estorvo para todos, já que não pode trabalhar e apenas gera custos. Conforme a situação da família se deteriora, Edmund começa a se convencer de que sua família estaria melhor sem o pai e termina por envenená-lo. Claro que a culpa e o desespero que isso causam na família destroem o garoto que termina por se suicidar.

Todo esse arco funciona como uma metáfora para a própria Alemanha e sua relação com o nazismo. Quebrada e com inflação descontrolada ao fim da Primeira Guerra Mundial, o país abraçou o discurso supremacista e intolerante de Adolf Hitler a respeito da eliminação dos povos inferiores com a crença de que isso iria reconstruir a nação e devolver o orgulho ao povo alemão. Quando o nazismo caiu ao fim da Segunda Guerra, os alemães não apenas se viram novamente num país em frangalhos materiais, como também tinham que lidar com as consequências morais do genocídio cruel do qual foram cúmplices. Assim como Edmund, a Alemanha é destruída pelo próprio comprometimento moral de acreditarem na brutalidade como meio de recuperação de um estado de miséria.

É um desfecho desalentador e com ele Alemanha, Ano Zero deixa evidente que o país precisava, antes de tudo, lidar com as consequências morais de suas ações e passar a limpo a conivência com o nazismo para poder se reconstruir.


Trailer

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