sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Rapsódias Revisitadas – Juízo

 

Análise Crítica – Juízo

Review – Juízo
A cineasta Maria Augusta Ramos já tinha retratado o funcionamento do sistema de justiça criminal brasileiro quando fez Justiça (2004). Três anos depois, em 2007, ela retornou ao judiciário brasileiro em Juízo, desta vez explorando como o sistema lida com os menores infratores. Assim como em seu trabalho anterior, e também em produtos posteriores como Morro dos Prazeres (2013), a diretora segue com uma abordagem de documentário observacional, acompanhando os eventos com o mínimo de intervenção possível enquanto registra o cotidiano das audiências desses menores no fórum e nas fundações de acolhimento.

Filmar eventos com menores infratores traz algumas limitações que a diretora precisa contornar. A maior delas é não poder mostrar os rostos nem qualquer elemento que revele as identidades desses jovens. Por conta disso, quando mostra as audiências, sempre que precisa cortar para a fala dos jovens, ela recorre a reconstituições. Todo o resto da audiência como as juízas, pais, defensores e advogados são os sujeitos reais filmados no momento em que esses procedimentos aconteciam, mas os jovens que vemos nas cenas são atores que pertencem as comunidades nas quais os infratores reais viviam e encenam as falas dadas pelos sujeitos reais.

A ideia é tentar ser o mais fiel possível aos eventos sem, no entanto, violar leis ou normas éticas. Nesses processos vemos como há uma disjunção entre discurso e prática do judiciário, que fala em ressocializar os jovens, mas cujos juízes assumem uma postura excessivamente punitivista, paternalista e por vezes preconceituosa.

Um exemplo é a cena que abre o filme na qual a juíza fala como o jovem acusado poderia estar fazendo algo melhor da vida do que roubar, sugerindo que ele poderia estar vendendo balas ou lavando um carro, ignorando que esse menor de idade deveria estar na escola, estudando e pensando em uma profissão futura. O fato da juíza sugerir subempregos a um menor de idade, negro e de comunidade periférica, já mostra o que a representante da corte pensa sobre o lugar que essas pessoas devem ocupar na sociedade.

A montagem opõe o discurso dos juízes de que as fundações de acolhimento são lugares de recuperação, educação e auxilio com imagens do cotidiano das fundações que funcionam quase que como presídios comuns e com os agentes do local constantemente direcionando ofensas aos internos. Essas oposições da montagem ajudam a demonstrar como o sistema, apesar do discurso, não é feito para ressocializar. Talvez porque quem produz esse discurso pense que aquilo é ressocialização ou talvez porque não haja de fato um interesse nisso.

As imagens da fundação, inclusive nos momentos de visitação dos internos servem para traçar um perfil bastante homogêneo de quem ocupa esses espaços: pessoas negras e de origem humilde. Isso é bastante significativo das desigualdades sociais brasileiras e do ciclo difícil de quebrar para superar a pobreza diante da nossa estrutura social, política e jurídica. Um elemento evidenciado pelos letreiros que nos informam sobre o destino dos personagens do filme, cujas vidas (da maioria, ao menos) ou pioraram ou permaneceram estagnadas, um sintoma de como nosso sistema não reabilita ninguém.

De uma maneira seca e direta, Juízo nos mostra como o judiciário lida com menores infratores e as falhas contidas no funcionamento deste sistema.


Trailer

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