segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Crítica – Homem Onça

 

Análise Crítica – Homem Onça

Review – Homem Onça
É curioso como as privatizações de empresas estatais são um assunto circular no Brasil. Sempre que chegamos a um momento econômico de estagnação ou não muito favorável que sempre voltamos à conversa de que é preciso enxugar o Estado para sermos mais competitivos, mas, na prática, vemos poucos benefícios. Basta ver todas as medidas de austeridade e venda desde o governo Temer e como nenhuma delas sequer chegou perto de cumprir o prometido de ampliar empregos ou a renda do trabalhador.

Nesse sentido, Homem Onça olha para o passado para falar do presente, mas faz isso sem precisar a recorrer a metáforas óbvias uma exposição artificial de como as coisas estão iguais. Ele faz isso simplesmente pela nossa capacidade de reconhecermos as similaridades entre os eventos que o filme retrata e aquilo que vemos nos dias atuais.

A narrativa se passa em 1997 e o diretor Vinícius Reis se baseou na experiência que viu o pai passar durante a privatização da Vale. O protagonista é Pedro (Chico Diaz) que trabalha na estatal fictícia Gasbras com projetos ligados a sustentabilidade. Como a empresa está passando por um processo de privatização, Pedro é cada vez mais pressionado a reduzir sua equipe e lida com ameaças constantes de demissão apesar de seus projetos serem reconhecidos e premiados internacionalmente. Para lidar com a pressão, ele resolve voltar a sua cidade natal para espairecer e lá descobre que uma onça da região, que Pedro acreditava ter sido morta quando ele era criança, pode estar muito bem viva.

A trama mostra como muito do discurso de querer modernizar estatais, torná-las mais competitivas, é uma mera desculpa para entregá-las na mão do capital externo e precarizar os trabalhadores, já que são empresas que dão resultados e cumprem metas. Essa entrega das estatais contribui muito para o processo de desindustrialização do país, nos fazendo deixar de produzir commodities industriais para apenas vender matéria bruta e comprar os bens refinados que poderíamos nós mesmos produzir (pensem nas recentes vendas de refinarias). São práticas que não necessariamente ajudam ao país e servem apenas para manter a concentração de poder e dinheiro nas mãos da especulação financeira.

Apesar de se passar durante o governo FHC, o texto não o cita nominalmente, o que contribui para a atemporalidade da discussão sobre privatizações, já que estamos passando pelo mesmo processo todo de novo. Sim, existem algumas referências a práticas do governo FHC, como a mudança da Gasbras para Basbrax, algo que tentaram fazer na Petrobras na década de 90 com o esforço de mudar a estatal para Petrobrax. Desta maneira, a discussão nunca é tratada como um problema de uma única administração, mas como um senso comum que se repete continuamente.

Além das macroestruturas, a narrativa também explora as consequências desse enxugamento e privatização sobre os trabalhadores dessas empresas. Servidores públicos que estão vendo o trabalho de uma vida inteira sendo jogado na latrina apenas para que o capital privado leve mais alguns trocados. Nesse sentido, Chico Diaz é muito eficiente em mostrar a ansiedade e senso de impotência de Pedro, que muitas vezes é vocalizado de maneira raivosa justamente por ele ter ciência de que está inevitavelmente caminhando para a obsolescência. A relação com o campo e com a onça, inclusive com manchas descoloradas surgindo na pele de Pedro parece evocar uma resiliência do brasileiro em resistir e se manter vivo mesmo diante dessas forças que tentam eliminar aqueles que são considerados inconvenientes ou indesejados por um determinado modelo econômico.

Chega a ser curioso, por outro lado, que o filme critique a visão simplista e maniqueísta de que os defensores da privatização tem a respeito do Estado ser naturalmente ruim sendo que o filme tem uma visão igualmente maniqueísta a respeito das privatizações. O tema não é exatamente simples e a maneira como o Brasil lidou/lida com os processos de privatização são questionáveis, mas o texto trata tudo com um binarismo que não dá conta das várias nuances que envolve o tema (privatizações podem servir para que o Estado evite arriscar o erário público com operações ou investimentos de risco, por exemplo). A conversa, portanto, não consegue sair de certos elementos já presentes no debate público sobre a questão.

Assim, Homem Onça traz críticas importantes a constantes falácias envolvendo o discurso de privatizações no Brasil, mas não consegue ir além dos mesmos tópicos constantemente debatidos sobre o tema.

 

Nota: 7/10


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