terça-feira, 6 de abril de 2021

Crítica – Meu Pai

Análise Crítica – Meu Pai

Review – Meu Pai
Dirigido por Florian Zeller a partir de uma peça de teatro que ele mesmo escreveu, Meu Pai é um retrato bem direto e seco sobre a dificuldade em lidar com um idoso com problemas neurológicos. Não há uma epifania aqui, uma catarse, apenas o reconhecimento da severidade da degradação mental e como isso afeta a pessoa e aqueles que o cercam. Talvez por isso não seja um filme fácil de assistir, já que somos duramente confrontados com a vida de uma pessoa em uma situação de grande fragilidade, mas nem por isso deixa de ser uma obra muito bem executada.

Na trama, Anthony (Anthony Hopkins) é um senhor idoso que está com extrema dificuldade de reter memórias ou de se situar no tempo e no espaço, muitas vezes confuso em relação a onde está, quando e quais são as pessoas à sua volta. Ele é cuidado pela filha, Anne (Olivia Colman), que o traz para a casa dela, já que ele não tem mais condições de ficar sozinho. Como Anthony já está muito esquecido, ele tem dificuldade de lidar e reconhecer as cuidadoras, o que deixa Anne sozinha em muitos momentos para cuidar dele. O marido de Anne, Paul (Rufus Sewell), começa a se ressentir da situação, já que Anne praticamente abre mão da própria vida para cuidar do pai.

É tudo primordialmente narrado da perspectiva de Anthony e o filme é criativo em nos deixar imersos na confusão mental do protagonista. Por vezes há mudanças abruptas no cenário, nos deixando desnorteados em relação a quando e onde estamos, provavelmente o mesmo sentimento que é vivenciado por alguém na mesma situação do protagonista. Do mesmo modo, ocasionalmente o filme troca os atores que interpretam determinados personagens para conotar o fato de que o protagonista não está reconhecendo a filha, o genro ou a cuidadora ao nos fazer enxergar uma pessoa completamente diferente.

Sendo tão centrado em seu protagonista, muito do filme depende da interpretação de Anthony Hopkins e ele carrega a obra com maestria. Hopkins consegue trazer energia e humor para os momentos de lucidez do protagonista, nos fazendo vislumbrar o homem encantador que ele deveria ser antes dos problemas neurológicos e isso contribui para que compreendamos o afeto e devoção que a filha tem com ele. O ator também é eficiente em dar ao personagem uma dor e uma vulnerabilidade que são de cortar o coração nos momentos em que ele se sente perdido, sem conseguir fazer até mesmo as coisas mais mundanas ou quando ouve por acidente Anne conversando com o marido sobre a dificuldade de lidar com o pai e nós sentimos o quanto dói para esse senhor, sem culpa nenhuma da situação, saber que é um estorvo para a filha.

Já Olivia Colman traz a dor resignada de alguém que vê um ente querido desaparecer diante de seus olhos conforme a condição do pai se agrava e ele se desconecta cada vez mais da realidade. O choro contido de Anne quando o pai começa a falar coisas sem sentido ou misturar temporalidades revela o afeto e a dor de tentar cuidar do pai naquela situação. Por outro lado, Rufus Sewell faz de Paul alguém ressentido pelos sacrifícios de Anne em cuidar do pai. De início as queixas dele até são relativamente compreensíveis por ver a mulher que ama se anulando e abrindo mão de oportunidades apenas para cuidar do pai, mas conforme a situação se agrava a conduta de Paul se torna completamente abusiva, chegando ao extremo de esbofetear o sogro numa cena que simultaneamente dolorosa e revoltante de assistir.

Doloroso também é o desfecho, que reconhece que não há maneira fácil de lidar com a situação, não há cura, melhora ou lado positivo há ser enxergado, há apenas o reconhecimento da inevitável decadência mental do ser humano, da nossa fragilidade diante da implacabilidade do tempo. Assim como Amor (2012), de Michael Haneke, vemos aqui a dureza sem concessões de acompanhar a degradação de um ente querido e que não existe uma saída ideal. Os momentos finais em que Anthony praticamente regride a um estado infantilizado comovem pela fragilidade que Hopkins traz ao personagem e pelo reconhecimento de que ele não tem outra direção além da piora.

Com um trabalho excelente de Anthony Hopkins e uma direção que nos deixa imersos na confusão mental do protagonista, Meu Pai apresenta um olhar seco e direto sobre a degradação da mente humana e as dores causadas por isso.

 

Nota: 9/10


Trailer

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