segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Crítica – The Boys: 2ª Temporada

 

Análise Crítica – The Boys: 2ª Temporada

Review – The Boys: 2ª Temporada
A primeira temporada de The Boys foi uma grata surpresa ao construir um mundo em que super-heróis são praticamente celebridades e propriedades corporativas, reduzidos a peças no xadrez do capitalismo com as grandes corporações sendo as grandes vilãs. Apesar dos méritos, também incomodava como em muitos momentos a série era violenta, profana e sombria apenas para chocar. Essa segunda temporada se mostra mais consistente ao dar explorar mais a complexidade de seus personagens, humanizando até mesmo figuras cruéis como o Capitão Pátria (Anthony Starr).

A trama começa meses depois dos eventos do ano de estreia. Billy Bruto (Karl Urban) e sua equipe são considerados culpados pela morte de Stillwell (Elizabeth Shue), se tornando homens procurados. Ao mesmo tempo, os Sete recebem um novo membro em Tempesta (Aya Cash), cuja presença chama tanta atenção que começa a incomodar o Capitão Pátria por estar perdendo os holofotes. Ainda nos Sete, Luz-Estrela (Erin Moriarty) planeja junto com Hughie (Jack Quaid) em como expor a Vought pelo Composto V.

A temporada acaba sendo mais ainda uma metáfora para várias questões da realidade política e social que vivemos hoje. Tempesta, por exemplo, serve como ilustração para a facilidade como discursos de intolerância e diretamente supremacistas estão se espalhando pela internet e acumulando novos seguidores. A personagem nunca se posiciona abertamente como nazista ou supremacista, ela adota um discurso descontraído, reduzindo questões complexas da vivência sociais em memes cheios de falácias ou falsas simetrias, mas que se comunicam com as inseguranças e anseios de uma classe média que sente que não alcançou o sucesso que lhes foi prometido. Assim, ao invés de se mostrar radical desde o início, ela vai envolvendo os seguidores com uma retórica sedutora sobre uma guerra racial ou cultural iminente, radicalizando-os aos poucos para uma conduta supremacista.

Do mesmo modo, a maneira como a Vought sempre consegue se reerguer apesar de todas as denúncias demonstra a falência moral de nossa sociedade e como a estrutura política e social valoriza mais o capital do que as leis. É, inclusive, muito significativo que a Vought tenha suas origens no nazismo, como que simbolizando a relação íntima que há nesse totalitarismo corporativo em que empresas tem mais poder que o próprio Estado e filosofias supremacistas que pregam exclusão e extermínio de quem está às margens do sistema, lembrando da natureza excludente do próprio capitalismo. Igualmente dotada de valor simbólico é o envolvimento amoroso entre o Capitão Pátria e a Tempesta, como que mostrando como o “ideal americano” também está intimamente ligado com ideais supremacistas, preconceituosos e xenófobos.

Além do poder exercido pelas corporações, a temporada também nos lembra do poder e influência que seitas e ordens religiosas tem nas sociedades atuais. O líder da Igreja do Coletivo (que é basicamente a Cientologia) a qual Profundo (Chace Crawford) se une tem influência o bastante para barganhar com Stan Edgar (Giancarlo Esposito), o todo poderoso da Vought.

A força da temporada também vem do desenvolvimento que dá aos personagens, mesmo aqueles secundários. Leitinho (Laz Alonso) e o Francês (Tomer Capon) tem seus passados e motivações para enfrentar a Vought melhor delineados. Chegamos a um entendimento das razões de Billy se tão implacável, o que vem desde uma perda traumática na família à relação conflituosa que ele tem com o pai e toda essa construção do passado de Billy ajuda a entender a decisão do personagem ao final da temporada.

Do mesmo modo Capitão Pátria ganha mais camadas além de ser meramente um Superman psicótico. A temporada nos apresenta a ele como um sujeito profundamente solitário e inseguro, alguém que se vê (e é) como um deus indestrutível, mas que sente a necessidade de ser amado e se conectar a outros indivíduos. A tentativa dele de se aproximar do filho, ainda que tomada por uma postura impositiva e agressiva do herói em relação ao garoto é visivelmente motivada pelo esforço de se sentir menos sozinho no mundo e formar uma conexão afetiva com alguém. Ao longo da temporada inclusive, ele parece exibir uma preocupação para que o garoto não cresça alienado de relações afetivas, embora Tempesta tente a todo tempo controlar a relação do Capitão com o filho.

Alguns personagens, no entanto, acabam sendo deixados um pouco de lado e tem arcos desinteressantes. A trama da Rainha Maeve (Dominique McElligott) ser forçosamente tirada do armário pelo Capitão Pátria demora a se conectar com o resto das tramas e não faz muito além de tocar nos mesmos temas que o abuso sofrido por Luz-Estrela no ano de estreia já tocava. A trama mostra como causas sérias e importantes são cooptadas por grandes corporações reduzidas a produtos de consumo e diminuídas de seus sentidos políticos.

Outra questão é que a temporada deixa algumas pontas soltas, como o paradeiro da cobaia telecinética que foge da instalação da Vought guardada por Facho de Luz (Shawn Ashmore). Imagino que a ideia era criar suspeita de que essa personagem seria responsável pelas mortes misteriosas das testemunhas que tentam denunciar a Vought, mas como o final da temporada revela que não é o caso, a ideia de mostrar a personagem fica solta nesta temporada.

A ação continua tão sangrenta e brutal como na primeira temporada, evidenciado o poder dos personagens e como é fácil para eles simplesmente sair chacinando pessoas, algo muito bem explorado na cena em que o Capitão Pátria se imagina usando sua visão de calor para matar uma multidão de manifestantes. O momento em que Tempesta luta contra um terrorista superpoderoso sem qualquer preocupação com os inocentes ao redor não só revela o poder da personagem como a natureza cruel dela. Outras cenas chamam atenção pelo absurdo como a perseguição marítima envolvendo o Profundo que culmina em uma baleia sendo empalada por uma lancha.

Desta maneira, a segunda temporada de The Boys é uma ótima ampliação dos temas e ideias do primeiro ano, aprofundando os personagens e as metáforas sociais de sua narrativa.

 

Nota: 9/10


Trailer

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