terça-feira, 13 de outubro de 2020

Crítica – Bom Dia, Verônica

 

Análise Crítica – Bom Dia, Verônica

Review – Bom Dia, Verônica
Fiquei curioso para conferir este Bom Dia, Verônica desde que tinha sido anunciado. Já tinha lido outros trabalhos do romancista Raphael Montes e o considero um dos melhores escritores de narrativas policiais no Brasil hoje. A ideia de uma série baseada em um de seus livros, este escrito junto com Ilana Casoy, parecia bem empolgante.

A trama é centrada em Verônica (Tainá Muller), escrivã da delegacia de homicídios da polícia civil de São Paulo. Quando um caso ligado a feminicídio dá errado e uma testemunha se suicida na frente de Verônica, a protagonista se torna obcecada em descobrir o abusador em série que aborda mulheres em aplicativos de namoro. Ao mesmo tempo, a protagonista é procurada por Janete (Camila Morgado), uma mulher que sofre constante violência do marido, Brandão (Eduardo Moscovis), que além de sujeitar a esposa a violência também sequestra e mata outras mulheres. As coisas que se complicam quando Verônica descobre que Brandão é um tenente-coronel da Polícia Militar, tornando-o ainda mais perigoso.

É curioso que ao longo da temporada minhas anotações iam no sentido de apontar o quanto a série adere até demais aos clichês e convenções das narrativas policiais hollywoodianas, com uma detetive com passado traumático tentando se redimir por um erro, um superior prestes a se aposentar que obviamente morre, os problemas de convivência familiar que decorrem do tempo que a protagonista passa no trabalho e tantos outros elementos que são bastante lugar-comum. Ainda assim o todo acaba sendo maior que a soma das partes e isso se deve aos personagens envolventes que a série cria.

É possível compreender o que move Verônica, como os traumas passados e presentes a tornam daquele jeito, obcecada em ajudar Janete como que para reparar todas as outras falhas. As relações com o marido e os filhos ajudam a humanizá-la, além de mostrar a dupla jornada que a sociedade exige da mulher, com o marido constantemente cobrando que ela cuide dos filhos ou faça o jantar ao chegar do trabalho como se isso fosse obrigação apenas dela. Ao mostrar os depoimentos de mulheres sobreviventes, a série também mostra como a cultura machista de nossa sociedade muitas vezes tenta incutir a culpa na vítima e põe em dúvida os testemunhos, tornando ainda mais difícil que essas situações sejam denunciadas.

Janete, por sua vez, exibe um lógico pavor do instável marido, mas, ao mesmo tempo, se comporta como se acreditasse que ele a ama de verdade e que as agressões contra ela são punições legítimas contra um comportamento indevido ainda que tente juntar dinheiro escondida provavelmente na esperança vaga de fugir do marido um dia. É só quando ouve Verônica na televisão que começa a ver uma alternativa para a vida que tem. Eduardo Moscovis consegue ser assustador como Brandão, chocando pelos arroubos de violência súbita do personagem e também nos deixando inquietos pela instabilidade do policial, já que nunca sabemos quando ele parecerá compreensivo com a esposa e quando explodirá em agressividade por questões mínimas.

O texto ainda acerta em nunca explicar plenamente os motivos de Brandão adotar o modus operandi específico que tem com suas vítimas. Alguns diálogos falam sobre a infância dele e relação com os pais, mas ainda assim nem tudo é explicado nos mínimos detalhes, o que dá a ele uma aura enigmática, um monstro cujas intenções não compreendemos muito bem e por isso não conseguimos prever plenamente seu comportamento.

Por outro lado, os últimos episódios trazem algumas revelações que visam ser impactantes, mas acabam soando mirabolantes demais dentro do regime realista da trama. A questão do orfanato que criava crianças para infiltrá-las nas estruturas de poder da sociedade soa algo de um filme hiperbólico de espionagem ou de super-herói, longe do olhar mais pé no chão sobre os problemas e causas da violência e corrupção urbana, reduzindo o debate desses problemas a esse “grande mal” abstrato e absoluto que não ajuda em nada a entender e discutir esses fenômenos. Com isso, o gancho para uma segunda temporada soa desinteressante já que essa trama de grandes conspirações e organizações sombrias se distancia dos elementos que tornam essa temporada tão bacana.

Assim, mesmo bastante aderente às convenções do gênero narrativo em que se insere e com algumas revelações que pecam pelo exagero, Bom Dia, Verônica envolve pela construção de seus personagens e pelo manejo do suspense ao longo da investigação.

 

Nota: 7/10


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