segunda-feira, 22 de junho de 2020

Crítica – A Comédia dos Pecados


Análise Crítica – A Comédia dos Pecados

Review – A Comédia dos PecadosO Decamerão escrito por Boccaccio no século XIV representava uma importante ruptura do olhar artístico de sua época. Nele, não era mais o divino, o metafísico que movia os personagens, não era o amor espiritual que estava em jogo. Eram os valores terrenos, carnais, da natureza, que motivavam seus personagens, tirando as histórias do metafísico e da moral medieval e inserindo essas tramas no domínio do realismo. Este A Comédia dos Pecados é levemente baseado nos escritos de Boccaccio tenta exatamente parodiar essa transição do discurso medieval para o discurso realista recorrendo ao deboche e ao absurdo.

A trama se passa em um convento no interior da Itália medieval e é centrado em um grupo de freiras que começa a ficar instável por conta da clausura. As coisas se complicam com a chegada de Massetto (Dave Franco), que chega no convento fugindo de nobre que quer matá-lo. Massetto finge ser surdo-mudo e começa a trabalhar no convento, mas a lascívia das freiras e as confusões que se instalam tornam difícil que ele consiga manter a farsa.

Muito do humor vem da conduta surtada das freiras, que atacam e ofendem com uma série de profanidades qualquer um que as desagrade. A irmã Fernanda é o papel que Aubrey Plaza nasceu para fazer, sempre gritando e ofendendo todos a sua volta ao mesmo tempo que se envolve com um culto pagão de fertilidade. Assim como Plaza, as demais freiras também mergulham de cabeça na conduta insana e exagerada de suas personagens, acreditando e fazendo funcionar as situações mais piradas, em especial o clímax no qual a irmã Ginevra (Kate Micucci) fica surtada sob efeito de psicotrópicos.

Esses momentos de absurdo, no qual o realismo e o carnal vão de encontro ao metafísico e o espiritual, são os melhores momentos do filme, tanto em termos de comédia quanto em termos de adesão aos ideais da obra do Boccaccio. Inclusive não deixa de ser curioso que mesmo 700 anos depois do autor italiano, a ideia de mostrar freiras e padres como seres humanos dotados dos mesmos desejos e falhas de qualquer outro continue gerando controvérsia (várias entidades religiosas protestaram contra o filme na época de seu lançamento), o que mostra como ainda estamos presos a uma visão arcaica, conservadora e excessivamente dogmática sobre a religião.

Por outro lado, apesar de um tipo de humor cuja sensibilidade é bem contemporânea, o fluxo da trama é bastante aderente ao realismo da época na qual tudo se passa, o que significa que tudo é muito lento e em vários momentos temos longas cenas com as personagens fazendo atividades banais, tipo lavar roupa, que nunca rendem nada particularmente engraçado ou crítico como os momentos de crise, surto e absurdo que funcionam tão bem. Com isso, apesar da energia das cenas cômicas, a sensação é um produto relativamente arrastado.

Apesar da trama lenta, A Comédia dos Pecados diverte pelo seu senso de absurdo e o olhar que dá ao dogmatismo religioso.

Nota: 7/10


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