quinta-feira, 14 de junho de 2018

Lixo Extraordinário – United Passions


Análise Crítica - United Passions


Review - United Passions
Centrado na história da FIFA, a federação internacional de futebol, este United Passions é um daqueles filmes que estará sempre cercado de infâmia. Parte disso porque ele já entrou para a história como uma das menores bilheterias de todos os tempos, tendo arrecadado apenas cerca de 600 dólares em seu final de semana de estreia e saído de cartaz depois de uma semana sendo exibido em apenas um cinema nos Estados Unidos. Outra parte das razões dele ser tão infame diz respeito ao momento de seu lançamento, meros dias antes de Joseph Blatter (um dos personagens principais do filme) e outros membros da alta cúpula da FIFA terem sido presos ou indiciados por desvios de dinheiro, aceitar subornos e outros crimes, praticamente destruindo qualquer interesse do público em conferir um filme que retrata esses cartolas do futebol como heróis virtuosos. Por fim, a terceira razão pela qual United Passions viverá sempre em infâmia é que ele é muito, muito, mas muito ruim, dolorosa e excruciantemente ruim, desgraçadamente ruim e mesmo que tivesse sido lançado em um momento menos prejudicial para sua imagem ainda assim teria sido execrado.

A trama acompanha a trajetória da FIFA e segue seus três principais diretores: Jules Rimet (Gerard Depardieu), João Havelange (Sam Neill) e Joseph “Sepp” Blatter (Tim Roth). Era de se imaginar que um filme sobre a maior federação de futebol do mundo fosse falar da importância do esporte, do que torna o futebol especial, que tentasse entender as razões pelo esporte despertar tantas paixões e unir tantas pessoas ao redor dele, mas nada disso parece interessar à narrativa.

Se você entrou para assistir esse filme sem saber muito sobre o esporte, ao final não terá aprendido muito mais, já que nem mesmo as regras ou como uma partida funciona são explicados. O futebol em si é quase invisível ao longo do filme e ele se passa quase que integralmente em salas de reunião com cartolas engravatados decidindo onde será a próxima Copa do Mundo ou reclamando de falta de dinheiro como se eles não fossem uma entidade bilionária.

O filme apresenta uma sucessão semi-incoerente de cenas que não são ligadas por qualquer elo causal ou temático saltando de um momento histórico para outro sem qualquer critério através de cenas que não tem nenhum outro propósito além de tentar retratar, de maneira exagerada e pouco sutil, os grandes homens que foram os dirigentes da FIFA.

Em um momento vemos a realização da primeira Copa do Mundo no Uruguai em 1930, no seguinte vemos uma reunião da FIFA em 1942 na qual Jules Rimet se mostra preocupado com uma guerra com a Alemanha nazista, incluindo uma cena com ele de joelhos diante de um crucifixo rezando pela melhora do mundo, pintando-o sem qualquer sutileza e extrema cara de pau como uma espécie de santo ou mártir. Logo depois o filme pula para a final da Copa de 50 no Brasil, mostrando a derrota do nosso país para o Uruguai (qual a razão disso ser importante para a história da FIFA? O filme nunca esclarece), pulando logo depois para a morte de Jules Rimet.

Mesmo ignorando o problema de uma película sobre futebol se importar tão pouco com o esporte cuja paixão tenta retratar, a narrativa também não exibe qualquer grande interesse em nos fazer entender como a FIFA funciona ou o que ela faz exatamente além de organizar torneios e encher os bolsos dos dirigentes. Vemos os personagens falarem da importância de espalhar o futebol pelo mundo, de combater o racismo, preconceitos e os torcedores hooligans, mas nunca é explicitado como isso é feito exatamente, quais as ações ou metas da entidade para tal e, considerando que a obra é mais uma cínica publicidade corporativa do que um drama histórico, essas ausências vão contra o próprio propósito e razão de existir do filme.

Além de não fazer muito sentido, United Passions é extremamente entediante. Em quase 100 minutos não há nenhum tipo de conflito, drama ou risco para seus personagens. Esses sujeitos não são desenvolvidos de nenhuma maneira e o roteiro não faz qualquer esforço para tentar compreender o que impele pessoas como Rimet, Havelange e Blatter ou de onde vem o grande comprometimento que eles têm com o esporte. Os atores entregam performances automáticas e desinteressadas, como se estivessem ali só pelo pagamento (e provavelmente estavam). O texto simplesmente os trata como grandes homens e pede que os vejamos como tal sem nos dar qualquer razão para isso além de discursos vazios que os fazem parecer enérgicos e comprometidos, mas que não tem efetivamente nada a dizer sobre o tema contido neles.

Um exemplo é a cena em que Blatter fala que não irá tolerar corrupção, que sabe que existem “maçãs podres”, mas que agora todos terão que seguir as regras dele e não haverá mais espaço para subornos e desvios de dinheiro. A cena inteira é feita para fazer Blatter parecer um grande e honesto líder (o que ganha contornos cômicos quando sabemos que ele foi indiciado por desvio e lavagem de dinheiro em diferentes países), mas não diz efetivamente nada sobre a presença da corrupção na entidade, não diz quem a comete, como é cometida ou quais medidas Blatter tomará para combater o problema (considerando as múltiplas prisões de dirigentes, imagino que nenhuma). Assim, a cena dá uma impressão de comprometimento e retidão moral sem, no entanto, mostrar esses personagens agindo sobre o problema, o que faz tudo soar inócuo, desonesto e condescendente.

Isso fica ainda mais evidente nas cenas de coletivas de imprensa envolvendo Blatter ou Havelange nos quais jornalistas perguntam sobre corrupção ou sobre erros de arbitragem que comprometem resultados das partidas e embora essas sejam perguntas legítimas, o filme as trata como uma perseguição injustificada. Com extremo e caricatural maniqueísmo, os cartolas da FIFA são enquadrados como coitados sendo intimidados por repórteres malvados, algo que soaria desonesto mesmo que não soubéssemos das condenações de dirigentes por corrupção.

Há desonestidade também no modo como o filme ignora declarações mais polêmicas desses personagens no mundo real, como a vez em que Blatter, durante uma entrevista, falou que os uniformes do futebol feminino deveriam ser mais curtos e mostrar mais do corpo das atletas. No filme, porém, Blatter é enquadrado como um homem comprometido em enfrentar a discriminação embora não o mostre tomando nenhuma ação efetiva para tal.

Era de se imaginar que o filme trouxesse cenas enérgicas de partidas de futebol para mostrar o porquê do esporte mobilizar tantos fãs e tantos afetos, mas isso não acontece. Não só o futebol aparece muito pouco como nos momentos em que ele aparece é tudo tão mal filmado e montado que faz tudo parecer confuso e aborrecido. A final da Copa de 50 é mostrada a partir das reações do público nas arquibancadas e das palavras de um narrador, com alguns brevíssimos momentos de atores encenando a partida displicentemente jogados no meio disso tudo. As finais de 70 e 78 são retratadas através de breves imagens de arquivo organizadas de maneira tão picotada que chega a ser difícil entender o que está fazendo, falhando em transmitir a empolgação e habilidade das grandes jogadas de Pelé ou Maradona, dois jogadores citados em diálogos ao longo do filme, mas que praticamente não aparecem (porque o filme comete o erro de achar que os cartolas são mais importantes que os jogadores) e nunca tem a sua referida genialidade como jogadores mostrada ao público.

United Passions é uma das piores experiências que tive com um filme em toda minha vida. Cada minuto, cada segundo, cada fotograma é dolorosamente excruciante e ao final sinto que parte da minha alma, da minha alegria de viver e da minha humanidade foram destruídas por essa obra hedionda. Eu preferiria fazer um tratamento de canal sem anestesia ou assistir The Room uma centena de vezes a ter que assistir United Passions novamente. É um desserviço ao cinema tanto quanto é um desserviço ao futebol e qualquer pessoa envolvida em sua realização deveria se envergonhar de ter contribuído para dar vida a uma aberração atroz como essa.


Trailer

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