sábado, 25 de fevereiro de 2017

Crítica - Um Limite Entre Nós

Resenha Um Limite Entre Nós


Review Um Limite Entre Nós
Alguns filmes nos conquistam pela sua estrutura narrativa, outros pela sua composição visual, pela música, pelo trabalho dos atores ou pela junção de todas essas coisas. Um Limite Entre Nós funciona primordialmente pela qualidade dos diálogos e pelo trabalho dos dois protagonistas.

Adaptando a célebre peça teatral de August Wilson, o filme se passa nos anos 50 e acompanha Troy (Denzel Washington) um homem trabalhador de classe média que luta para cuidar de sua família da melhor maneira que pode, ao mesmo tempo em que arrependimentos passados e o acúmulo de suas frustrações se coloca no meio de sua relação com Rose (Viola Davis), sua esposa.

A trama demora um pouco de engrenar, focando sua primeira metade no cotidiano da família encabeçada por Troy e em como ele se relaciona com cada um deles. A questão nem é o foco no trivial ou a ausência inicial de um ponto de conflito claro, é possível fazer um assim e ainda evitar que ele soe cansativo ou estático, como o ótimo A Cidade Onde Envelheço. O problema é o modo como isso é apresentado a nós, através de um trabalho de câmera que se limita ao plano e contraplano enquanto Troy conversa com seus familiares e se mantêm praticamente estático em cena, engatando um longuíssimo monólogo atrás do outro sem sequer se mover.


O filme ganha mais fluidez a partir do momento em que Troy faz uma revelação impactante a Rose (vocês saberão o que é quando virem) e se torna menos estático em relação as ações dos atores e também ao uso de câmera e montagem, que passa a evidenciar outras coisas além dos rostos dos atores e faz o esforço de usar os recursos da linguagem cinematográfica para outros fins que não apenas registrar os diálogos. Um exemplo é a própria cena da revelação, que mostra um plano detalhe de Rose jogando no chão a rosa dada a ela por Gabe (Mykelti Williamson, o eterno Bubba do Forrest Gump), o irmão de Troy que tem problemas mentais, ou mesmo o corte feito pela montagem durante a discussão de Troy e Rose no quintal que nos mostra um Gabe dentro da casa sem saber como reagir ao que acontece. O mesmo pode ser dito da sequência de montagem mostrando Troy construindo a cerca e intercalando isso com os olhares distantes de Rose, usando a cerca como uma metáfora das barreiras que estão se erguendo entre os dois personagens.

Em um filme tão centrado no trabalho dos atores (seja pelas exigências do texto, seja pelas escolhas estilísticas da direção de Denzel Washington) tudo desabaria se o elenco não conseguisse dar conta de cada nuance sutil sugerida pelo texto de August Wilson e nesse quesito Um Limite Entre Nós não decepciona. Tanto Washington quando Davis já tinham atuado na peça teatral e é visível a familiaridade deles com o material e o modo como transmitem como naturalidade cada um dos longos diálogos de seus personagens e através desses diálogos vão cuidadosamente removendo camada por camada da "armadura" dos dois protagonistas, desnudando suas contradições, suas falhas, seus arrependimentos e suas motivações. O texto é maduro o suficiente para evitar maniqueísmos e transformar Troy ou Rose em vilão, compreendendo o cotidiano duro vivido pelos dois e o quanto disso resultou em sonhos não realizados e potencial não explorado em suas vidas, cujas frustrações e lamentos se acumularam ao longo de anos até atingirem o ponto em que os encontramos no filme.

Se estilisticamente Um Limite Entre Nós pode soar estático, a qualidade do texto e das atuações de Denzel Washington e Viola Davis compensa tudo isso. Com paixão e sensibilidade, o filme constrói um complexo retrato das vivências de uma família negra nos Estados Unidos dos anos 50.


Nota: 8/10

Trailer

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