sábado, 1 de outubro de 2016

Crítica - Luke Cage: 1ª Temporada

Luke Cage Temporada 1


Luke Cage série Netflix
Depois de ter sido introduzido na primeira temporada de Jessica Jones, agora o personagem Luke Cage ganha sua própria série seguindo a parceria da Marvel com a Netflix. A série de Jessica Jones e as duas temporadas de Demolidor foram amplamente elogiadas, assim havia muita expectativa para que esta primeira temporada de Luke Cage mantivesse o alto padrão estabelecido dentro do universo Marvel trabalhado pela Netflix e a série entrega o que promete. Possíveis SPOILERS a seguir.

A trama começa meses depois dos eventos vistos em Jessica Jones, com Luke se mudando para o Harlem e tentando manter-se discreto depois de ter sido obrigado a usar seus poderes para enfrentar Kilgrave. Suas tentativas de se manter longe de problemas caem por terra quando a barbearia onde trabalha se vê no caminho do gângster Cottonmouth (Mahershala Ali, da série House of Cards) depois que um dos garotos que trabalha para Pop (Frankie Faison) rouba dinheiro do mafioso. Com as pessoas de quem gosta ameaçadas, Cage se vê obrigado a agir.

A temporada extrai o máximo de sua ambientação na região do Harlem em Nova Iorque, trazendo a baila todo o legado cultural do lugar. A série entende que o Harlem não é apenas um bairro, mas um espaço de resistência e ascensão da cultura e dos movimentos sociais negros dos Estados Unidos e assim este é um lugar mais do que apropriado para a jornada de Luke Cage. Dialogando com as figuras políticas do local, com sua tradição musical de funk, rap e hip-hop, com as gírias e o modo de falar da área e do movimento dos filmes blaxploitation dos anos 70, a série nos faz entender o que é viver no Harlem e o que ele representa para seus moradores. O roteiro também não se intimida em tratar de questões de preconceito, brutalidade policial e direitos civis, abordando os temas com o cuidado que merecem e sem cair em soluções fáceis.


Mike Colter (o Lemond Bishop de The Good Wife) segue ótimo como Cage, um homem que só quer viver sossegado e deixar seus problemas para trás, hesitante em tomar parte do conflito que se desenha no Harlem. Colter traz uma aura de "sujeito comum" bastante crível, além de trazer uma boa dose de carisma e humor conforme desfere as frases de efeito do personagem. Rosario Dawson retorna como Claire Temple, a enfermeira que apareceu nas séries anteriores, e continua o percurso da personagem em aceitar seu papel ao lado dos super-heróis que conheceu. A brasileira Sônia Braga (que recentemente protagonizou o excelente Aquarius) tem uma passagem breve, mas significativa como a mãe de Claire.

Além do gângster Cottonmouth, a temporada também traz outros vilões como a vereadora Mariah Stokes (Alfre Woodward) e o violento Diamondback (Erik LaRey Harvey). Eu cheguei a temer que o excesso de vilões fosse ser um problema, mas eles são desenvolvidos o suficiente para serem interessantes e também uma ameaça crível, mesmo Cage sendo aparentemente indestrutível. Cottonmouth e Mariah tem, ao seu modo, um certo amor pelo Harlem e um respeito pelas tradições do lugar, ainda que demonstrem isso de sua própria maneira. A trama tem o cuidado de estabelecer razões compreensíveis para que ambos tenham chegado onde chegaram, mostrando-o como pessoas que queriam escapar de uma vida de crimes, mas que foram forçados a esse caminhos pelos tios. Diamondback tem seu arco baseado no velho clichê da rivalidade fraternal, mas funciona como uma presença implacável que impõe uma ameaça real a Cage, atuando como uma verdadeira força da natureza, que provoca uma onda de caos e destruição por onde passa.

O vilão Shades (Theo Rossi), por outro lado, é o elo fraco do grupo. Se nos quadrinhos ele usava um visor (daí seu nome) que disparava raios, aqui ele simplesmente é um cara que usa óculos escuros o tempo todo. Eu entendo que a mudança faz sentido na abordagem mais "pé no chão" da Netflix e o problema nem é a alteração no personagem, mas o fato dele parecer um imbecil usando óculos escuros até mesmo à noite e em lugares fechados, em especial em uma cena que ele atira em Cage dentro de uma boate (óculos escuros em um tiroteio à noite em um lugar fechado é de uma estupidez sem tamanho).

Até imaginei que em algum momento seria revelado que seus óculos traziam algum tipo de sensor ou radar, que justificaria seu uso, mas não. O uso pouco orgânico do acessório é piorado pela composição cheia de excessos do ator Theo Rossi, que insiste no cacoete de retirar os óculos toda fez que precisa fazer alguma ameaça ou soar intimidador (um recurso ultra óbvio pra dizer "agora a coisa ficou séria"). Sem mencionar sua opção por uma voz forçosamente áspera, feita para soar sinistra ou ameaçadora, mas só dá a impressão que o sujeito está com uma grave bronquite ou que está tentando fazer uma imitação de quinta categoria do Batman do Christian Bale. Tudo isso joga o personagem justamente no terreno de caricatura boba que as séries da Marvel na Netflix tanto lutam para evitar.

A série consegue criar cenas de ação muito boas que demonstram o poder e alcance das habilidades de Cage e conseguem empolgar mesmo quando sabemos que em boa parte do tempo o personagem não corre nenhum perigo real (afinal ele é virtualmente indestrutível). O destaque fica por conta da longa luta entre ele e Diamondback no final da temporada, na qual eles destroem uma grande avenida enquanto a cidade e a polícia os observa. É um embate intenso, brutal e dramático, conforme alterna entre o passado e presente do protagonista.

Ainda temos várias pontes com o universo cinematográfico e televisivo da Marvel, com menções aos Vingadores, Jessica Jones ou o Justiceiro e também a aparição de outros personagens das séries para além de Claire. O traficante Turk, que apareceu na série do Demolidor, aparece em alguns episódios, assim como a radialista Trish (Rachael Taylor) de Jessica Jones, cujo programa é ouvido em um dos episódios. Tudo isso de maneira bastante orgânica, sem jamais soar como um fan service gratuito. É estranho, no entanto, que os acordos de Sokovia de Capitão América: Guerra Civil, que regulamentam a ação de pessoas com super poderes, não sejam citados em nenhum momento e as ações de Cage, mesmo quando ele mostra abertamente seus poderes, nunca são ameaçadas pela regulamentação.

No fim Luke Cage mantêm o alto padrão estabelecido na parceria da Marvel com a Netflix, ampliando seu universo ao mesmo tempo que tece uma trama intimamente ligada com o patrimônio cultural das locações nas quais se baseia.

Nota: 8/10

Trailer

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