terça-feira, 24 de maio de 2016

Crítica - Jogo do Dinheiro



Muitos filmes já foram feitos sobre os danos que a corrupção e irresponsabilidade do sistema financeiro podem causar na vida do cidadão comum. Este Jogo do Dinheiro tenta se diferenciar ao colocar esse tipo de história junto a um típico filme de sequestro, no qual um grupo de pessoas é feito refém por alguém desesperado por uma solução. O problema deste longa-metragem dirigido pela atriz Jodie Foster é que nem a denúncia social, nem o suspense funcionam tão bem quanto deveriam.

Lee Gates (George Clooney) é o apresentador de um programa sobre o mundo financeiro cheio de exageros e gracinhas (algo no estilo do Mad Money) e é famoso pelas dicas de investimento que dá. O que deveria ser mais um programa dá uma guinada para pior quando o estúdio é invadido por Kyle (Jack O'Connell, que protagonizou o fraco Invencível), um homem humilde que perdeu todas as economias ao seguir uma das dicas de Lee e, com uma arma e um colete bomba, toma a equipe do programa como refém e exige do apresentador e do presidente da empresa na qual investiu uma explicação do que aconteceu com seu dinheiro. Assim, Lee e sua produtora, Patty (Julia Roberts), precisam dar um jeito de conseguir respostas antes que o rapaz acabe com suas vidas.

A ideia central parece ser criticar a corrupção e os desmandos dos executivos de Wall Street que fazem fortunas às custas da população e sem pensar nos impactos de suas ações na sociedade. O problema é que ao invés de atacar a corrupção sistemática e generalizada que vai das instituições financeiras, agências reguladoras, auditorias e governo, o filme cria uma rocambolesca conspiração internacional construída por um empresário. Assim ao invés de nos apresentar um sistema corrupto, nos mostra apenas uma atividade isolada que é tão grandiloquente que soa artificial e não generalizável, falhando em demonstrar seu ponto de vista ao público. Filmes como A Grande Aposta (2016), O Lobo de Wall Street (2014) ou mesmo Wall Street: Poder e Cobiça (1987) abordaram muito melhor como cobiça generalizada e irresponsável dos corretores e banqueiros é danosa.

Há também uma crítica ao jornalismo em diversos níveis. O filme tenta abordar como o atual jornalismo é apelativo e de baixo nível, não se importando em apurar fatos ou produzir uma reflexão sobre aquilo que aborda, que reduz tragédias reais em espetáculos quase que novelescos, deixando de lado a ética e humanidade. Crítica também a falta de accountability dos veículos jornalísticos, que falam o que querem sem ter que arcar com as consequências daquilo que dizem e como suas palavras afetam a população. Ao mesmo tempo, também reitera a importância do "bom jornalismo" Em geral esses temas são tratados no início da narrativa, mas vão sendo deixados de lado conforme a trama se desenvolve, nos dando a sensação de esforço desperdiçado.

Aqui e ali a diretora Jodie Foster tem algumas boas sacadas, como a cena em que a transmissão acaba e todos que estavam assistindo tudo ao vivo simplesmente voltam aos seus afazeres como se nada demais tivesse acontecido ou como se estivessem vendo uma história de ficção, demonstrando que a culpa é tão nossa quanto da mídia. Do mesmo modo é interessante a maneira como ela brinca com nossas expectativas no momento em que Lee pede que as pessoas comprem determinadas ações para salvar sua vida. A câmera da um close no personagem conforme ele faz um discurso sentimental sobre o valor da vida e uma música extremamente emocional nos induz a pensar que ele conseguirá tocar os expectadores, mas isso não acontece, reforçando a impressão de que não são apenas os banqueiros e financistas que são cínicos e egoístas, mas boa parte da nossa sociedade.

Esse poucos momentos, no entanto, não são suficientes para alcançar as pretensões ideológicas e temáticas do filme, deixando a sensação de que já vimos tudo isso melhor trabalhado em outros produtos. A crítica ao jornalismo rasteiro, cínico e irresponsável que visa apenas índices de audiência já foi melhor construída em obras como O Quarto Poder (1997) ou Rede de Intrigas (1976). De maneira semelhante, a exaltação a um jornalismo responsável e seu impacto positivo na sociedade é tratada de modo mais interessante em produtos como o recente Spotlight: Segredos Revelados (2016) ou Todos os Homens do Presidente (1976).

Não é apenas na frente temática que o filme não se sai bem, mas também na frente do entretenimento. Apesar de algumas boas reviravoltas em relação a Kyle, no geral há pouca tensão. Isso ocorre principalmente porque, tirando os momentos iniciais de sua invasão, nunca sentimos que Kyle está realmente no controle da situação, mas sendo conduzido (e auxiliado) o tempo todo por Lee e Patty. São sempre os dois que o dizem o que fazer enquanto ele praticamente segue passivo tudo aquilo. Eu sei que parece paradoxal querer controle de um homem descontrolado, mas em qualquer filme com uma situação semelhante o sequestrador sempre parece exercer alguma medida de controle sob aqueles que estão na sua mira, mesmo estando mentalmente instáveis. Basta ver o que obras como Um Ato de Coragem (2002) ou Um Dia de Cão (1975) fazem com esse tipo de situação.

As muitas reviravoltas envolvendo Kyle nos obrigam a reavaliar constantemente o conceito que temos dele e com tantas mudanças e incertezas envolvendo o personagem, acaba ficando difícil aderir a ele. George Clooney traz seu carisma habitual à Lee e nos faz ter simpatia pelo seu personagem mesmo quando sua súbita transformação de bufão egoísta em guerreiro da justiça social fica difícil de engolir. Já Julia Roberts faz de Patty uma profissional ética e responsável que se detesta por trabalhar em um programa como o de Lee e é quem realmente mantem a situação sob controle.

O clímax é prejudicado por algumas situações implausíveis, em especial o fato da polícia permitir que um homem armado e instável seja levado para ficar frente a frente do homem que deseja matar, tem outros problemas, mas falar mais seria entrar no território dos spoilers. No entanto, preciso elogiar o fato do desfecho evitar um final em que tudo dá certo e se mantenha fiel à visão cética que sustentou até então.

Jogo do Dinheiro é um filme com boas intenções, mas as desperdiça em um texto superficial que mais parece uma reciclagem rasteira de ideias que já vimos em filmes melhores.


Nota: 5/10

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