quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Crítica - No Coração do Mar


 
No Coração do Mar baseia-se na história real que inspirou o romancista Herman Melville a escrever Moby Dick, que veio a se tornar uma das mais emblemáticas obras da literatura de língua inglesa. Apesar de não ser uma adaptação direta da obra de Melville, o filme toca em muitos temas semelhantes aos abordados pelo escritor em seu trabalho.

A narrativa conta os eventos que ocorreram na expedição do baleeiro Essex que partiu para o Oceano Pacífico à caça de baleias para extração de óleo e outros recursos. A trama acompanha o imediato Owen Chase (Chris Hemsworth, mostrando aqui que seria um ótimo Edward Kenway de Assassin's Creed: Black Flag), um marinheiro com experiência na caça de baleias, mas que é preterido na vaga de capitão por um dos herdeiros de companhia marítima, o inexperiente e arrogante George Pollard (Benjamin Walker), e ambos passam a se detestar mutuamente. Ao se dirigirem a partes pouco exploradas do oceano nas quais será mais fácil caçar baleias, a embarcação encontra uma enorme e poderosa baleia que coloca todos em risco.

Assim como o romance de Melville, essa é uma história sobre homem contra natureza, razão contra instinto. É um conto de alerta, lembrando que não importa o quanto pensemos ser superiores ou quanto nossa tecnologia avance, somos uma parte minúscula do mundo e (do universo) não podemos realmente controlar a natureza. É também um lembrete ao modo predatório com o qual o homem se relaciona com o planeta e que a destruição que causamos não passa incólume.

O filme retrata detalhadamente o duro cotidiano do trabalho dos baleeiros, inclusive o modo brutal com que matam os animais, que encerra em um literal chafariz de sangue, além do modo bastante asqueroso de extrair o óleo da baleia. O fato disso abordado pelo olhar do novato Nickerson (Tom Holland, o novo Homem-Aranha), que conta a história já em sua velhice (interpretado por Brendan Gleeson) para Herman Melville (Ben Winshaw), ajuda a nos aproximar disso ao mostrar seu espanto com tudo o que vê. Embora os interlúdios no presente acrescentem pouco à narrativa e acabem deixando o fluxo um pouco truncado.

A baleia construída digitalmente é muito bem feita e cheia de detalhes, como cicatrizes, manchas e pedaços faltando, dando a impressão de um animal maltratado, que passou por muitos bocados. Seu tamanho é impressionante e a primeira vez que ela aparece, arremessando para longe os pequenos botes como se não fossem nada, desperta admiração e pavor em iguais medidas e cada vez que ela aparece em cena, sabemos que algo terrível irá acontecer. A baleia, no entanto, não é apenas um animal, é uma força da natureza, é a mão divina que pune os homens por sua soberba e ganância e é a duras penas que Owen entende isso.

É uma pena, portanto, que o resto dos efeitos especiais não seja tão caprichado quanto os usados para criar a baleia, já que muitos dos cenários digitais soam bastante artificiais e em algumas cenas, em especial a primeira pesca de baleia, fica a clara impressão de que estamos vendo apenas um bando de atores interagindo com uma tela verde.

É também lamentável que o filme perca parte de seu fôlego depois da destruição do navio, acompanhando os percalços dos marinheiros à deriva. Apesar de trazer alguns momentos realmente impactantes e a transformação física dos atores chocar ao mostrar o declínio daquelas pessoas, o segmento não apresenta nada que já não tenhamos visto em filmes como Náufrago (2000), As Aventuras de Pi (2012) ou Invencível (2014), fazendo pouco para se diferenciar de obras com eventos semelhantes. A única diferença, talvez, reside no fato de que esta não é exatamente uma história de superação ou uma celebração da resiliência humana, mas uma melancólica realização da impotência humana frente à natureza selvagem e irrefreável e que esquecer disso traz perigosas consequências.

Chris Hemsworth trabalha bem a transformação de Owen, que começa como um homem cheio de ambições profissionais e ascensão social, sem se importar com a natureza cruel de seu trabalho ou com o prolongado afastamento de sua família, e a vai vendo tudo ruir sob seus pés, aos poucos percebendo que não possui nenhum controle sobre sua vida e o quão pequenos são seus desejos. Enquanto isso Ben Winshaw (o Q de 007 Contra Spectre), mais do que acostumado a fazer personagens excêntricos como já demonstrou em Não Estou Lá (2007), O Brilho de Uma Paixão (2009) ou mesmo nos recentes James Bond, aplica essa persona ao perseverante e inseguro Herman Melville, que teme não estar a altura de seu ídolo, o escritor Nathaniel Hawthorne, e de não ser capaz de fazer justiça à história que lhe é contada, embora todo o arco do escritor é desenvolvido de modo superficial.

Ainda assim, a história encerra com uma melancolia típica da obra de Melville, com o velho Nickerson espantado ao comentar sobre a descoberta do petróleo, surpreso pelo combustível agora brotar do chão, deixando claro para nós que a humanidade nada aprendeu com sua tragédia, que continua se comportando como dona deste planeta, explorando-o de modo predatório sem pensar nas consequências para atender suas próprias ambições.

Assim sendo, apesar de problemas de ritmo e de efeitos especiais irregulares, No Coração do Mar é um conto competente que nos lembra da pequenez do homem frente à natureza e dos perigos de desrespeitá-la.


Nota: 6/10

Trailer:

2 comentários:

Unknown disse...

Graças a esse filme me incentivou a ler o livro, é bela história. Em suma, "In the heart of the sea" é um espetáculo visual muito interessante que recebe cenas específicas com força suficiente. Além disso, o filme também adiciona duas reflexões interessantes: em primeiro lugar, com Melville como eixo sobre o ato de escrever, sobre o medo de nossa própria incapacidade ea luta interna entre revelando e inventar, entre a transmissão da verdade e da captura da essência; ea segunda, sobre os interesses comerciais eternas e a tirania do dinheiro.

Lucas Ravazzano disse...

Que bom que gostou Sofia, é um filme bem interessante mesmo, com muito a refletir