sábado, 4 de abril de 2015

Crítica - Vício Inerente

Análise Vício Inerente

Review Vício InerenteAntes de mais nada preciso dizer o quanto sou fã do diretor Paul Thomas Anderson, alguns de seus filmes como Magnólia (1999), Sangue Negro (2007) e O Mestre figuram fáceis entre os meus favoritos de todos os tempos. Então é sempre com muita expectativa que entro para conferir um novo trabalho seu e com este Vício Inerente não foi diferente.

Baseada no romance homônimo de Thomas Pynchon, a trama se passa nos anos 70 acompanha o detetive particular Larry "Doc" Sportello (Joaquin Phoenix fazendo um ótimo cosplay de Wolverine), um hippie que passa boa parte do seu tempo usando drogas, que é abordado pela ex-namorada Shasta (Katherine Waterston) a investigar o desaparecimento de seu amante, o barão imobiliário Michael Wolfmann (Eric Roberts), que pode ter sido vítima de um golpe de sua ciumenta esposa.

Temos aqui vários ingredientes de um típico film noir: um detetive, uma personagem feminina que pode ser aliada ou inimiga, policiais durões e um crime aparentemente banal que esconde uma conspiração muito maior. No entanto este não é um filme típico, mas algo que eu chamaria de "noir para maconheiros". Sportello não é um investigador inteligente, perspicaz ou mesmo safo, ele é um sujeito em constante estado de estupor, confuso, com pensamentos bagunçados e que tem dificuldade em se manter coerente e seu percurso é tão rocambolesco como sua própria cabeça.

A música contribui para sentirmos o estado mental do personagem, em alguns momentos calma e relaxada como uma viagem tranquila, em outros tensa e carregada de paranóia e perigo iminente como se estivéssemos em uma bad trip. A montagem abrupta também contribui um pouco para a sensação de confusão de salta de modo seco entre diferentes momentos como fragmentos de uma mente já danificada e incapaz de arrumar suas memórias de modo linear e coerente. No entanto, é difícil abandonar a sensação que falta uma atmosfera mais lisérgica por parte da fotografia do filme, ela é muito bem realizada, claro, e utiliza bem as cores e as sombras, mas em um projeto que gira em torno da mente de um sujeito constantemente chapado ela soa incomodamente sóbria.

Joaquin Phoenix faz mais um trabalho extremamente competente como Doc, evitando torná-lo uma caricatura e transformando-o em um sujeito complicado, com claros problemas emocionais não resolvidos em relação à sua ex-namorada e com um particular senso de justiça. Por sua vez Josh Brolin com seu "Pé Grande" Bjornsen faz um policial que parece esconder grande fragilidade por trás de sua fachada durona.

Muitos podem dizer que a narrativa de Vício Inerente é muito complicada, difícil de compreender e que não faz muito sentido. Tudo isso é verdade, no entanto, essa parece ser exatamente a intenção do diretor Paul Thomas Anderson. Como o filme diz o termo "vício inerente” diz respeito a um atributo ou defeito em um objeto que leva à sua inevitável deterioração. No decorrer do filme encontramos representantes de boa parte das principais correntes ideológicas presentes no Estados Unidos de então, de Panteras Negras a neonazistas, de liberais a conservadores, de hippies a religiosos. Todos com seus sonhos, suas utopias seus projetos de nação todos eles colidindo tentando se impor e devorar um ao outro, todos convergem e se misturam e o resultado é essa bagunça indecifrável sem começo ou fim, sem razão ou solução, como a própria narrativa. No fim das contas Thomas Anderson nos revela uma sociedade na qual o "sonho americano" é em si um vício inerente fadado a devorar a si mesmo até erodir suas próprias ambições e nada mais reste. Não vou aqui cravar os muitos significados do filme, tampouco arrisco a decifrá-lo completamente, já que parte da sua riqueza são as muitas possibilidades de leitura e tentar detalhar demais aquilo que dele extraí seria limitar a percepção daqueles que irão vê-lo.

Assim sendo, este Vício Inerente pode não ser de fácil apreciação, mas sob seu formato de "noir para maconheiros" traz um retrato mordaz sobre a sociedade americana.

Nota: 9/10

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