quinta-feira, 15 de julho de 2021

Crítica – Loki

 Análise Crítica – Loki


Resenha Crítica – Loki
Se WandaVision serviu para abrir mais as portas para as possíveis loucuras do lado mágico da Marvel e o multiverso que vinha com ele, a série Loki escancara ainda mais o interesse da Marvel em explorar a ideia de multiverso e ter sido como o arco compartilhado para os próximos filmes e série.

A trama começa referenciando alguns eventos de Vingadores: Ultimato (2018) quando Loki (Tom Hiddleston) escapa dos Vingadores usando o Cubo Cósmico. Isso representa um desvio da linha do tempo principal, que previa Loki sendo preso em Asgard, então a Agência de Variância Temporal, ou AVT, vai atrás de Loki para “podá-lo” da linha temporal e a ramificação que sua fuga representa. Ao invés disso, Loki acaba sendo recrutado pelo agente Mobius (Owen Wilson) para ajudar na caçada de outra variante que está causando caos na linha do tempo.

Chama atenção o design dos escritórios da AVT que parece uma espécie de escritório burocrático dos anos 50 com tons futuristas, dando a impressão de algo familiar, mas com uma camada de estranhamento. A ideia da AVT encarar toda a bizarrice de seu trabalho cotidiano como um mera função burocrática, a exemplo das gavetas cheias de joias do infinito, é também reforçado nas condutas daqueles que trabalham ali como Mobius. O agente temporal e Loki formam uma sincera dinâmica cômica com os modos secos do fleuma burocrático de Mobius contrastando com a personalidade ególatra e grandiloquente de Loki.

No centro da trama está a ideia de livre-arbítrio. Afinal, se Loki está destinado a sempre perder para que outros encontrem a grandeza em si ao derrotá-lo ou ao vê-lo ser derrotado (como sua morte pelas mãos de Thanos), então até que ponto o deus da trapaça estaria de fato no controle de suas decisões? Isso é um gatilho para uma jornada de autodescoberta, já que esse não é o Loki morto pelo titã louco em Guerra Infinita, mas um Loki ainda vilão após sofrer sua derrota nas mãos dos Vingadores. De início a série tenta forçar a redenção do personagem rapidamente ao mostrar a ele todos os eventos da linha do tempo principal, como se ver a si mesmo sendo morto fosse automaticamente dar a ele as mesmas experiências que a versão de Loki que de fato passou por tudo isso. Outro problema é que alguns episódios não exploram devidamente a repercussões de certos eventos, como as bombas detonadas através do tempo no final do terceiro episódio, aparentemente abrindo múltiplas temporalidades alternativas, mas que é completamente esquecido depois.

A exploração sobre a natureza de Loki ganha mais consistência com a entrada de Sylvie (Sophia Di Martino), uma variante feminina de Loki e o alvo da caçada da AVT. Ao longo de sua convivência com Sylvie, Loki pondera muito sobre a si mesmo e a motivação de suas ações, buscando entender o porquê dele constantemente querer causar mal aos outros. Os dois constroem um laço afetivo bem genuíno, se abrindo um para o outro ao ponto da cumplicidade parecer se encaminhar para um romance (se alguém pega uma variante temporal de si mesma isso é considerado masturbação?). Falando em romance, é interessante que Loki e Sylvie se abram a falar de serem bissexuais considerando o quanto o universo Marvel é dessexualizado (ou seria assexualizado?) e mesmo personagens em relações heteronormativas falam ou mostram pouco sobre desejo sexual.

Essa ideia de recorrer a variantes de Loki como um veículo de autoexame do protagonista é elevada à enésima potência no penúltimo episódio quando o personagem encontra múltiplas variantes de si mesmo, incluindo um Loki jacaré. Desses quem chama atenção é o “Loki clássico” interpretado por Richard E. Grant. Com um visual que remete às aparências antigas de Loki nos quadrinhos, Grant entra em cena com um collant verde e um grande capacete de chifres, mas a despeito do visual cartunesco interpreta seu Loki com uma seriedade shakespeariana que comanda autoridade, inclusive durante seu confronto com a criatura Alioth.

Falar do desfecho é inevitável e com isso vem SPOILERS, então não recomendo a leitura dos próximos parágrafos para ninguém que não tenha visto o último episódio. A jornada de Loki e Sylvie até a cidadela no fim do tempo os leva ao encontro “Daquele Que Restou” (Jonathan Majors, da série Lovecraft Country). Quem acompanha as notícias dos filmes da Marvel já sabe que Majors tinha sido escalado como o vilão Kang no vindouro terceiro filme do Homem-Formiga, então fica evidente desde o momento em que o vemos em cena que “Aquele Que Restou” é alguma variante do vilão. Se WandaVision incomodou com sua insistência em deixar muitos elementos indicando certos desenvolvimentos que nunca aconteceram, aqui a série acerta em fazer a revelação de quem estava por trás de tudo como uma hábil culminação do que foi construído até aquele ponto.

Caminhando entre o excêntrico e o ameaçador, Majors controla cada segundo em cena com uma precisão magnética. Seu personagem demonstra estar seguro e um passo adiante de Loki e Sylvie mesmo quando temos a impressão do contrário e a desfaçatez com a qual se dirige a eles nos deixa em dúvida se o sujeito está sendo verdadeiro ou se está manipulando os dois. O fato dele conseguir criar tanta incerteza entre dois mestres da manipulação como Loki e Sylvie serve, inclusive, para fortalecer o quanto o personagem de Majors pode ser perigoso, sedimentando a impressão que Kang provavelmente será o próximo grande vilão do universo Marvel e com a ideia de multiverso aparecendo nos próximos filmes. O embate verbal entre os três mostra o quanto Loki se transformou ao longo dessa jornada através do tempo e do espaço, tendo se tornado alguém capaz de se preocupar com os outros e até com um bem maior.

Assim, Loki funciona como uma competente exploração de seu vilão titular ao mesmo tempo em que expande o universo da Marvel e aponta para conflitos futuros.

 

Nota: 7/10

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