quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Crítica - A Bela e a Fera


É fácil entender o fascínio que os contos de fada exercem. Por trás de sua fachada fantástica e escapista encontramos abordagens para temas universais como o preconceito em relação ao que é diferente ou a ganância que há no coração do ser humano. Assim sendo, não é surpresa que esta história esteja recebendo uma nova versão pelas mãos do diretor francês Christophe Gans.

A trama se aproxima bastante do clássico conto de fadas francês. Na história Bela (Lea Seydux) é a filha caçula de rico mercador, mas quando sua família fica endividada são obrigados a morar em uma pequena casa de campo. Um dia seu pai se perde e encontra por acaso um opulento castelo. Lá ele se alimenta e se abriga do frio, na saída decide pegar uma rosa do jardim para levar para sua filha mais nova. Entretanto é surpreendido pela Fera (Vincent Cassel), o bestial dono do castelo. A criatura lhe diz que as rosas são aquilo que tem de mais precioso e que precisará de sua vida em troca da flor que roubara. Ao saber da situação do pai, Bela se oferece para ficar no castelo em seu lugar, assim passará a viver sob as regras da criatura enquanto tenta entender o mistério que rodeia a Fera e seus motivos para mantê-la lá.

O filme acerta na construção cuidadosa de sua protagonista, apresentando calmamente a situação inicial da família de Bela e sua relação com a família, ajudando a compreender os motivos que a levam a tomar o lugar do pai, deixando claro que ela já não tinha uma boa relação com as irmãs, que a invejavam, e se culpava pela morte da mãe. A relação entre ela e a Fera também é explorada com competência, principalmente por não tornar Bela uma figura passiva, cujo envolvimento com a criatura seria fruto meramente de uma inevitável Síndrome de Estocolmo. Ao invés disso, Bela se impõe perante o seu anfitrião, ditando o modo como ele deve se aproximar dela, a relação entre eles, portanto, se desenvolve de modo mais orgânico e dinâmico, com uma constante troca entre os dois ao contrário de parecer uma mera necessidade do roteiro. Nesse sentido, a personagem se beneficia pelo trabalho de Seydux, que consegue enfrentar a Fera, mas deixa claro que está se segurando para não demonstrar medo diante dela.

Há também o cuidado na construção temática da, digamos, moral da história. Se em outras releituras (como a famosa animação da Disney) tudo girava em torno de ver para além das aparências (um tema que se mantêm aqui), neste filme a origem da maldição da Fera tem também um pouco a ver com cobiça e ganância. Afinal ele era um príncipe que tinha tudo, um castelo, amigos e uma bela esposa, mas seu desejo em obter a pele de um belo animal da floresta, mesmo contra o conselho de sua amada, o leva à ruína. O peso dessa ganância desmedida também irá recair sobre a família de Bela, em especial sobre seus irmãos, que contraem dívidas com o perigoso Perducas (Eduardo Noriega) e veem nas riquezas do castelo da Fera um modo de pagar a dívida. Obviamente a ganância do bandido também lhe trará severas consequências.

O design de produção é bastante competente, transitando entre as localidades mais realistas da mansão inicial da família de Bela, passando por sua humilde casa de campo e se expandindo em direção ao fantástico a partir do momento em que entramos pela primeira vez no castelo da Fera. O castelo e as paisagens ao seu redor exibem bem a atmosfera igualmente mágica e macabra que se esperaria deles, algo beneficiado pelos bons efeitos especiais. Já que falei em efeitos, eles também constroem uma Fera bastante crível, utilizando tanto efeitos práticos e maquiagem, quanto efeitos de computação gráfica. Claro que nada disso adiantaria sem a presença e voz de Vincent Cassel, que trabalha seu personagem como alguém assustador, mas que esconde uma profunda mágoa sob sua fachada hostil e severa.

Já que falei da atmosfera macabra, devo dizer que o filme realmente investe nessa atmosfera mais sombria (tal como era o conto original) e existem realmente alguns momentos de bastante e suspense e outros com sustos genuínos que poderiam até afastar o público mais infantil. Felizmente o diretor Christophe Gans reconhece isso e sempre que as coisas ficam sombrias demais o filme retorna para a mãe que está lendo a história para seus filhos, colocando-a para conversar com eles sobre o que acabou de ocorrer e assim diminuindo o impacto dos momentos mais pesados de modo a tornar o filme mais palatável para os pequenos.

Este A Bela e a Fera é uma competente nova versão do clássico conto de fadas, que acerta em equilibrar seu tom fantástico com uma abordagem mais sombria, sendo beneficiado ainda por uma boa construção de personagem.


Nota: 7/10

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