segunda-feira, 6 de julho de 2020

Control e a construção de atmosfera em games



Desenvolvido pela Remedy, os mesmos criadores de Alan Wake e Quantum Break, Control foi lançado em agosto de 2019, mas só agora eu consegui jogá-lo e fiquei impressionado pelo como o game consegue criar uma atmosfera singular de estranheza e mistério. Na trama do jogo, a protagonista Jesse está em busca do irmão que foi levado por agentes do governo quando eram crianças. A busca leva Jesse ao prédio do misterioso Departamento Federal de Controle, uma espécie de departamento secreto voltado para pesquisar e defender a população de ameaças paranormais.

Ao chegar no prédio sede do departamento, Jesse descobre que o lugar foi invadido por uma força sobrenatural chamada de Ruído. O prédio é também uma locação mística, conhecido como A Casa Antiga, e por conta da invasão se fechou do mundo exterior. Agora Jesse precisa enfrentar a ameaça se quiser descobrir o que aconteceu com o irmão.

A narrativa trabalha para deixar o jogador imerso em um universo no qual o sobrenatural está sempre presente, mas nunca é plenamente compreendido e guarda em si todo tipo de ameaça inimaginável. Na mitologia do jogo objetos comuns como geladeiras e televisores podem ser imbuídos de força sobrenatural ou possuídos por entidades e causar enorme estrago ao mundo humano.

Control brutalist architecture
A arquitetura brutalista de Control
A sensação de estranheza vem muito do design dos espaços, já que tudo é feito seguindo uma arquitetura brutalista. É um movimento arquitetônico das décadas de 50 e 60 e privilegiava de maneira radical o que eles chamavam de “verdade estrutural” das edificações. Ou seja, era uma arquitetura que trabalhava para expor e nunca esconder seus elementos estruturais, deixando o concreto, a madeira ou o metal completamente expostos e com um mínimo de ornamentação.

No jogo, os corredores, paredes e espaços de concreto ou metal cru ajudam a construir a impressão de espaços estéreis, desolados, desprovidos de humanidade. A esterilidade também é fruto de escolhas na paleta de cores, que pende para tons frios, em baixa saturação. As superfícies angulosas, com poucas curvas e linhas retas dão a impressão de algo mecânico, não natural. Sem janelas ou qualquer meio de ver o mundo fora da Casa Antiga, os espaços são fechados, claustrofóbicos, opressivos. Parece um simulacro de nosso mundo, algo que remete a ele, mas, ao mesmo tempo é externo a ele. Essas escolhas de direção de arte operam justamente para transmitir esse desconforto e estranheza.

A maneira como a história é contada também contribui para esse universo enigmático, no qual nada é plenamente desvendado ou compreendido. Sabemos que o Ruído é uma entidade sobrenatural hostil e alguns documentos encontrados ao longo do jogo fornecem alguma explicação sobre o passado do departamento, o funcionamento de objetos de poder ou do plano astral, mas nada é plenamente explicado, o que ajuda a vermos essas entidades como forças de uma dimensão desconhecida e além de nossa compreensão. O fato do estranho zelador, Ahti, ser capaz de transitar por aparentemente qualquer lugar da Casa Antiga, por exemplo, nunca é explicado. A quantidade de informação que recebemos é suficiente para que os elementos do universo não soem vagos ou frouxos, mas não o bastante para acabar completamente com a aura de mistério que cerca tudo aquilo.
Contro the hiss
O líquido vermelho que simboliza a interferência do Ruído

Certas opções estéticas contribuem para denotar o quanto essas forças sobrenaturais afetam a mente de Jesse. É comum ao longo da história o uso de jump cuts (cortes abruptos na imagem) para a inserção de planos rápidos com os rostos de alguns personagens, imagens de um líquido vermelho inundando a tela, como que para denotar o Ruído corrompendo o pensamento de Jesse, ou imagens de uma pirâmide preta invertida que se comunica com Jesse.

Outra escolha importante é a de inserir cenas e vídeos com atores reais. Ao longo da trama, Jesse encontra vídeos do setor de pesquisa do departamento ou tem visões com o antigo diretor do DFC. Essas cenas são performadas por atores reais, de carne e osso, não por modelos digitais. A disjunção entre real e digital habitando o mesmo universo e o fato dos personagens não perceberem a diferença do regime de registro contribui para o sentimento de que estamos em um lugar em que realidades, dimensões e universos colidem. Isso fica evidente também em algumas cenas perto do final no qual Jesse varia brevemente entre seu modelo digital e a atriz real (Courtney Hope) na qual a aparência e voz da personagem se baseiam.

Control the board quotes
As falas do Conselho
A maneira como o jogo apresenta alguns diálogos é outro fator que contribui para o senso de estranhamento e incompreensão. Nas conversas com a entidade conhecida como “O Conselho” (a pirâmide invertida que aparece nas visões da personagem), as falas desse ser são transmitidas em ruídos ininteligíveis. Só é possível compreender o que está sendo dito por conta das legendas, mas essas legendas apresentam várias palavras entre barras, como se não houvesse uma tradução exata para a fala da entidade e as legendas estivessem tentando aproximar esse discurso da nossa linguagem a partir de múltiplos sinônimos, embora também os termos entre barras ocasionalmente apareçam como contraditórios entre si.

As falas do Conselho são tipo: “Você/Nós empunha a arma/você”. E essa imprecisão de termos ou do que exatamente ele está querendo dizer para Jesse ajuda a vermos esse “personagem” (por falta de uma designação melhor) como uma entidade localizada em um plano de existência tão distante do nosso que é impossível compreendê-la plenamente. As escolhas estéticas que estruturam a linguagem de sua fala são feitas justamente para exibir essa dificuldade de compreensão.

Com todos esses elementos, Control consegue deixar o espectador imerso em seu estranho e enigmático. De algum modo, o jogo e a maneira como a história é conduzida me lembraram bastante os trabalhos do diretor David Lynch, em especial Twin Peaks. Control é um ótimo exemplo de como estética e construção de atmosfera são capazes de criar uma experiência bem singular.

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