quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Crítica – Maid

Análise Crítica – Maid

Review – Maid
Narrativas sobre mulheres reconstruindo a vida depois de fugirem de um cotidiano abusivo tem se tornado comuns. São histórias necessárias em um contexto em que discutimos cada vez mais sobre as estruturas machistas que governam a sociedade e, nesse sentido, é importante que a ficção também pense a respeito desses temas. A minissérie Maid certamente não faz nada em termos da trama que conta que já não tenha sido contado antes, mas o que lhe confere força é a complexidade que sua trama dá a seus personagens e a imersão que ela proporciona no universo sensível de sua protagonista.

A trama é baseada no livro autobiográfico de Stephanie Land e é centrada em Alex (Margaret Qualley) que vai com a filha de dois anos, Maddy (Rylea Nevaeh Whittet), para um abrigo de vítimas de violência doméstica fugindo do comportamento abusivo do marido Sean (Nick Robinson). Como ela dependia de Sean para tudo, Alex precisa arrumar um emprego para garantir habitação e poder manter a guarda da filha, assim ela começa a trabalhar como faxineira.

Apesar de ser uma vítima de violência doméstica, a série nunca pinta Alex meramente como uma coitada, entendendo que os rumos que tomou são fruto de uma rede complexa de eventos, desde a falta de uma rede de suporte. Alex não tinha contato com o pai e sua mãe, Paula (Andie MacDowell, mãe de Margaret Qualley na vida real), é uma hippie errante, pouco confiável e constantemente ausente, frustrada pela carreira artística que nunca decolou e em negação quanto aos abusos que sofreu dos vários parceiros que teve. Os rumos da vida de Alex são também fruto do amor que Alex tem pela filha e a fizeram tolerar Sean até não ser mais suportável e, em certos casos, pela própria imaturidade da personagem. Sim, pois a trama também não se furta de mostrar como por vezes Alex toma decisões impetuosas e não muito espertas que acabam lhe causando problemas, evitando um retrato hagiográfico da protagonista.

Ainda assim, o que carrega Alex por todas essas tribulações é o desejo de algo melhor para a filha. Um senso de amor maternal sem limites, que a faz se sacrificar por Maddy. Um sentimento é comoventemente materializado no final do primeiro episódio quando Alex gasta o último dinheiro que tinha para comprar uma nova boneca para a filha e substituir a que a menina perdera, tudo para dar algum módico de alegria à Maddy em meio às dificuldades ao redor dela.

A trama trabalha para nos fazer sentir dentro da mente de Alex, mostrando através de imagens as contas que ela faz cada vez que gasta ou ganha algo ou os diálogos que revelam como ela entende o que está ao seu redor. Um exemplo é a cena da audiência pela guarda de Maddy. Sozinha e sem advogado, tudo que ela ouve é a palavra “juridiquês” saindo da boca da juíza e do advogado de Sean, revelando o quanto aquilo é estrangeiro para ela.

O arco de Alex mostra como é difícil se afastar de um relacionamento abusivo, principalmente quando se tem filhos e nenhum sistema de apoio. Nesse sentido, a trama também mira seu olhar para todos os mecanismos estatais de suporte a mulheres em situação de vulnerabilidade, revelando o quanto eles são necessários ao mesmo tempo em que denuncia como é difícil acessá-los e como estão longe de ser o suficiente.

Ao longo das várias interações de Alex com as várias mulheres que cruzam seu caminho a trama mostra como diferentes padrões de abuso ou abandono cercam as mulheres independente da classe social ou etnia. Isso é visto em Regina (Anika Noni Rosi), uma das ricas patroas de Alex, que inicialmente a trata com desdém e só lhe da empatia depois de descobrir a história da jovem. Apesar de rica e ter tudo que deseja, Regina é abandonada pelo marido por uma mulher mais jovem, e a partir daí acaba se aproximando mais de Alex, como se percebesse que há mais coisas que as unem do que as separam. Como muitas personagens da série, seria fácil reduzir Regina a uma ricaça megera (e ela certamente é um pouco disso), mas ela também é uma mulher solitária e que entende as dificuldades de Alex.

Essa complexidade está presente em praticamente todas as personagens da série. Sean é claramente um sujeito abusivo, possessivo e violento, que aliena Alex de tudo e a força a depender dele. No entanto, Sean é ele próprio alguém que sofreu com violência doméstica nas mãos da família, um trauma que ele projeta no vício em bebida. Embora reconheça essas fragilidades e a humanidade presente nele, a trama não usa isso como desculpa pelos atos de Sean. Inclusive, a amizade de Sean com o pai de Alex e o modo como eles protegem um ao outro e relativizam as agressões que Alex ou Paula sofreram revela a estrutura patriarcal da sociedade e como homens se unem para se protegerem e para tirar a autonomia das mulheres.

Paula, por sua vez, é uma hippie coroa que parece não ter nenhuma disposição de assumir qualquer responsabilidade, sempre se escorando em homens para sustentá-la enquanto ela insiste em uma carreira de artista plástica que nunca engrena e sempre sendo traída e maltratada de alguma maneira pelos homens com quem se relaciona. Ela claramente ama a filha, mas também nutre uma ponta de ressentimento, como se culpasse o fato de ter tido que cuidar de Alex como o elemento responsável pelo seu fracasso profissional. É, talvez, o melhor trabalho de toda a carreira de Andie MacDowell, que transita com naturalidade entre todas as essas emoções e as rápidas variações de estados de ânimo de Paula.

Com um enorme cuidado em revelar a complexidade de seus personagens, Maid é um exame intenso sobre a experiência sensível de ser uma sobrevivente de violência doméstica e da necessidade de união feminina para superar as estruturas machistas da sociedade.

 

Nota: 9/10


Trailer

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