segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Crítica – Pieces of a Woman

 Análise Crítica – Pieces of a Woman


Review – Pieces of a Woman
Perder um filho provavelmente deve ser uma das maiores dores que uma pessoa pode sentir. Perder um filho segundos depois do parto, sem sequer ter tempo para entender o que aconteceu, deve ser uma dor ainda pior. É sobre essa dor que Pieces of a Woman, produção original da Netflix, constrói sua narrativa.

Na trama, depois de um parto em casa que sai terrivelmente errado, Martha (Vanessa Kirby) perde a filha recém-nascida e fica sem saber como seguir adiante. O companheiro de Martha, Sean (Shia LaBeouf), e a mãe dela, Elizabeth (Ellen Burstyn), insistem que a culpa é da parteira e iniciam uma processo criminal contra ela a revelia da decisão de Martha. Enquanto isso, a protagonista tenta lidar com a perda ao seu modo.

O roteiro é hábil em evitar armadilhas e lugares comuns que uma trama dessas poderia cair. Poderia ser um dramalhão choroso e manipulativo cheio de platitudes e epifanias forçadas, poderia se reduzir a um drama de tribunal discutindo os méritos e problemas de partos em casa, corria o risco de cair em maniqueísmos simplórios e reduzir a mãe ou o marido de Martha em vilões manipuladores, mas o texto de Kata Weber evita tudo isso.

O que fica é um olhar sóbrio e complexo sobre pessoas devastadas pela perda tentando, cada uma ao seu modo, encontrar uma maneira de seguir em frente. São personagens destruídos, falhos, que nem sempre fazem as melhores ou mais inteligentes escolhas, no entanto a narrativa nunca perde de vista que há uma enorme dor subjacente por trás dessas escolhas. Isso fica evidente, por exemplo, quando Sean tenta transar com Martha em uma cena longa e com poucos cortes que cria uma sensação de desconforto pela situação toda. É evidente que Martha não está com muita vontade e que Sean, apesar das investidas agressivas, usa o sexo apenas como um meio desesperado de sentir alguma coisa, qualquer coisa, algum tipo de conexão humana.

De maneira semelhante um roteiro menos hábil poderia ter reduzido a mãe de Martha a uma megera controladora, mas aos poucos vamos compreendendo a motivação dela, exposta na poderosa cena em que ela relembra o próprio nascimento, bem como as fragilidades dessa personagem. O filme ainda é auxiliado por um competente elenco de coadjuvantes como Molly Parker, Benny Safdie e a comediante Iliza Schlesinger que surpreende em seu primeiro papel dramático.

Quem carrega o filme, porém, é mesmo Vanessa Kirby. Em uma performance daquelas que define uma carreira, Kirby entrega toda a dor e desamparo de Martha mesmo em pequenos gestos, pequenos olhares. Uma dor que ganha ainda mais força pelo contraste com o início no qual o filme acompanha quase que em tempo real o parto fracassado da protagonista. Com poucos cortes e longos planos sequência acompanhando os personagens perambulando pela casa enquanto tentam encontrar o melhor jeito e posição para Martha, a felicidade dela em ver a filha e tê-la nos braços e como tudo é tão rapidamente desfeito.

Em cena durante quase todo o tempo, Kirby nos deixa com o semblante de alguém tão sobrecarregada de sentimentos que se sente completamente perdida e se apega a qualquer coisa para poder se sentir no controle, como a discussão que ela tem na funerária quando erram a grafia do nome da filha. Esse sentimento de desemparo é agravado pelo modo como Sean e Elizabeth constantemente tentam tomar decisões por Martha, dizendo-a como ela deve se portar, como deve se sentir e como enfrentar o luto, o que amplia a sensação de isolamento da personagem, já que ao invés de receber apoio, recebe instruções. É só quando ela consegue se fazer ouvir e expor seus sentimentos e pontos de vista sobre a questão para os outros que ela parece ter condições de seguir em frente.

Com um texto maduro e uma direção sóbria, Pieces of a Woman trata das complexidades do luto sustentado por uma performance poderosa de Vanessa Kirby.

 

Nota: 8/10


Trailer

Nenhum comentário: