Em Democracia em Vertigem (2019) a diretora Petra Costa narra a queda
de Dilma Roussef da presidência com grande vigor arquivístico, mas que se
acomodava em fazer de sua narrativa uma grande bricolagem de vários momentos
chave que foram narrados continuamente no noticiário político brasileiro sem
oferecer muito em termos de uma nova perspectiva ou de uma grande sacada
interpretativa que contribuísse para uma compreensão mais aprofundada dos fatos.
Neste Apocalipse nos Trópicos a
diretora se propõe a fazer um mergulho no ambiente da direita conservadora,
principalmente àquela ligada a igrejas neopentecostais, para melhor entender a ascensão
desse grupo na política brasileira.
Repetição histórica
Digo que o filme propõe esse mergulho
porque ele fica na proposta apenas. A ideia de um debate para tentar
compreender a ascensão da direita evangélica e sua adesão ao bolsonarismo é
logo abandonada para que a diretora basicamente repita os mesmos procedimentos
de Democracia em Vertigem, um
apanhado de imagens de arquivo e outras registradas pela diretora que recapitulam
momentos chave da vida política brasileira que tiveram bastante exposição midiática
nos últimos anos, tudo embalado por uma narração sussurrante, lamuriosa que fala
através de platitudes que explicitam o óbvio das imagens.
Parte do selo Desastre Total da Netflix, que
compreende documentários sobre catástrofes ou eventos controversos, Cruzeiro do Cocô narra um desastre
marítimo ocorrido em 2013 que mobilizou a imprensa dos Estados Unidos.
Viagem de merda
O documentário conta a história
do navio de cruzeiro Carnival Triumph que em 2013 sofreu um incêndio na casa de
máquinas que destruiu os geradores de energia da embarcação e a deixou sem
energia. Como até mesmo a descarga das privadas dependiam de geradores para
funcionar, os passageiros sequer conseguiam usar o banheiro direito. Soma-se
isso a uma demora da empresa que gerenciava o cruzeiro em mandar um reboque
para trazer a embarcação de volta a um porto próximo, temos um grande desastre
que colocou a vida de todos em risco.
Ainda há uma espécie de senso
comum equivocado de que a repressão da ditadura militar brasileira foi algo
focado nos grandes centros urbanos e que quem estava à margem disso foi pouco
afetado. O sucesso de Ainda Estou Aquino
ano passado e certas reações a ele mostrou como esse senso comum ainda está
presente, falhando em entender como a ditadura também afetou populações fora
desses centros urbanos, como as populações indígenas. O documentário Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá, conta
exatamente uma dessas histórias de como comunidades indígenas foram impactadas
nesse período.
Diáspora indígena
O filme parte da busca de Sueli
Maxakali (uma das diretoras do filme) e sua irmã Maiza Maxakali, pelo pai
delas, Luiz Kaiowá, de quem foram separadas quando eram pequenas ainda no
período da ditadura militar. A narrativa conta como Luiz foi removido à força
de seu território natal no Mato Grosso do Sul pelo então governo, sendo
transportado por vários estados até chegar ao território dos Tikmũ’ũn (também
chamados de Maxakali) em Minas Gerais, onde conheceu a mãe de Sueli e Maiza.
Depois Luiz sofre um novo deslocamento forçado por parte do governo e perde o
contato com a família que constituiu em Minas Gerais.
O documentário é capaz de
resgatar eventos que não ficaram na memória coletiva, nos abrir a realidades
que não conhecíamos. O Presidente Surdo faz
exatamente isso ao contar a história de uma mobilização estudantil da universidade
Gallaudet na década de oitenta.
O som do silêncio
O filme acompanha eventos
ocorridos em 1988 na Universidade Gallaudet, a primeira universidade dedicada à
educação de pessoas surdas criada nos Estados Unidos ainda no século XIX. Os
estudantes estavam mobilizados pela eleição de um presidente que fosse surdo,
mas quando o conselho gestor da universidade aponta uma presidente que não é
surda e se mostra insensível às demandas e questões do corpo discente, os
estudantes se organizam para exigir mudanças.
Dirigido pelos irmãos Maysles,
nomes chave do movimento do cinema direto dos Estados Unidos, Grey Gardens foi lançado em 1975 e até
hoje permanece como um documentário envolvente tanto pela abordagem
observacional dos Maysles, que pregam por interferir o mínimo possível nas
cenas, e as personalidades pitorescas das duas protagonistas, que parecem
apreciar serem observadas pelas câmeras do documentário. O resultado é uma
enorme sinergia entre quem filma e quem é filmado, tornando difícil não se
deixar absorver pelo que está em tela.
Elite decadente
A trama acompanha a idosa Edith e
sua filha de meia idade Edie. Elas são tia e prima de Jackie Kennedy Onassis,
ex-primeira dama do país. Em 1973 a dupla tomou as manchetes dos jornais depois
que uma série de denúncias e vistorias de órgãos municipais decretou que a
mansão dilapidada em que viviam, chamada de Grey Gardens, estava condenada e
elas seriam removidas do local para que o imóvel fosse demolido. Jackie e irmã
ajudam as parentes da minimamente reformarem a casa e elas são autorizadas a
voltarem a morar no local e esse é o ponto de partida do filme, acompanhando o
cotidiano de mãe e filha nesse imóvel acabado.
O diretor Joel Zito Araújo já
tinha feito resgates importantes da história e cultura afro nas artes em
produções como A Negação do Brasil
(2000), no qual falava sobre a representatividade negra em telenovelas, e Meu Amigo Fela (2019), sobre o músico
Fela Kuti. Neste Brasiliana: O Musical Negro Que Apresentou o Brasil ao Mundo ele faz outro importante resgate ao
narrar a história de uma companhia musical negra que foi criada na década de
1950 e permaneceu ativa por mais de 25 anos.
Visibilidade cultural
A Companhia Brasiliana foi um
grupo de música, dança e teatro afro-brasileiros com o elenco todo formado por
artistas negros que se apresentou em mais de noventa países ao longo de sua
trajetória apresentando um espetáculo baseado na história, cultura e
musicalidade afro-brasileiras. O documentário faz um resgate histórico
importante ao mostrar já que na metade do século XX o Brasil tinha um grupo artístico
focado na cultura negra e que esse grupo teve uma imensa visibilidade
internacional, circulando o mundo e participando de grandes eventos, desde
filmes da Sophia Loren a aberturas de Copa do Mundo.
Dirigido por Sérgio Machado
(responsável por filmes como Cidade Baixa
e A Luta do Século), o
documentário 3 Obás de Xangô analisa
a amizade entre três artistas baianos, a influência deles na cultura do estado
e como eles ajudaram a promover culturas afro brasileiras e a enfrentar o preconceito
contra as religiões de matriz africana.
A invenção da Bahia
A produção narra a amizade entre
o escritor Jorge Amado, o músico Dorival Caymmi e o artista plástico Carybé a
partir da conexão que eles tinham com o terreiro de Mãe Stella de Oxóssi no
qual ocupavam a posição de Obá de Xangô, um título honorífico que reconhecia o
papel deles na visibilidade que davam à cultura afro e o combate ao preconceito.
Estruturalmente é um documentário bem convencional, recorrendo a imagens de
arquivo que mostram as interações entre os três personagens, produções
inspiradas nas obras deles (como as adaptações cinematográficas de Jorge
Amado), além de entrevistas com personalidades contemporâneas, como o ator
Lázaro Ramos ou o escritor Itamar Vieira Junior, que falam da influência dos três
artistas.
Dirigido por Eryk Rocha e
Gabriela Carneiro da Cunha, o documentário A
Queda do Céu se baseia no livro homônimo de Davi Kopenawa e Bruce Albert. O
livro trazia reflexões do xamã yanomami Davi Kopenawa sobre as noções brancas de
progresso e desenvolvimento, narrando também o modo como os xamãs se relacionam
com o mundo espiritual para proteger a natureza e evitar a “queda do céu” que
seria causada pela desarmonia promovida pelos brancos.
Cosmovisão nativa
É um filme focado principalmente
em nos fazer entender a cosmovisão do povo yanomami. Ou seja, como eles veem o
mundo, o funcionamento do universo e o que eles pensam das práticas das pessoas
de fora, supostamente desenvolvidas. A produção inicia com uma longa cena de um
grupo de yanomamis se deslocando por uma trilha em meio a um descampado e dá o
tom para um filme que é, em essência, sobre as movimentações dessa população.
Como eles se movimentam pela região e vivem com a floresta, como tentam se
proteger de ataques externos e como eles se movimentam internamente em seus
rituais xamânicos na busca por revelações sobre o devir e por proteção nos
conflitos com os brancos.
Feito por pessoas tanto da
Palestina quanto de Israel, Sem Chão se
debruça especificamente sobre a situação da região de Masafer Yatta na
Cisjordânia cujas vilas são constantemente destruídas por tropas israelenses
sob a justificativa de que a área é um local de treino para as forças armadas
israelenses.
Terra de ninguém
É um documentário feito sobre e
na urgência da situação, com imagens sendo captadas no momento que as tropas
chegam para remover as pessoas, derrubar as casas com resultados muitas vezes
trágicos de moradores desarmados que protestam a situação sendo baleados pelas
tropas. As imagens, muitas vezes tremidas, muitas vezes distantes ou não
devidamente enquadradas são um reflexo dessa urgência e comunicam sobre as
condições sob as quais o filme foi realizado.
Fui assistir Milton Bituca Nascimento achando que seria um documentário sobre os
bastidores de sua última turnê. Não deixa de ser sobre isso, mas a produção
aproveita o gancho de ser uma turnê de despedida do músico para refletir sobre
seu legado artístico, sobre o que torna Milton um artista tão diferenciado e as
inspirações de sua arte. O resultado é um mergulho mais abrangente e
compreensivo da arte de seu objeto do que se ele se limitasse a apenas
acompanhar bastidores da turnê, ainda que seja um documentário bem típico em
sua estrutura.
Caçador de mim
Narrado por Fernanda Montenegro,
o filme analisa a trajetória do cantor e seu impacto, mostrando como ela
repercute tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Há uma qualidade poética no
texto da narração que tenta dar conta da força sensorial e emotiva da força de
Milton, mas o texto é também bastante didático em explicar os aspectos mais
técnicos e musicológicos do que torna sua música tão diferenciada. Nesse sentido,
a narração de Fernanda Montenegro consegue dar a medida da capacidade
expressiva da arte de Milton, de sua complexidade e de fazer a audiência
entender como é feita essa música.
Dirigido por Cao Guimarães, o
documentário Amizade funciona como um
filme-ensaio mesclando imagens de arquivo e narrações para construir um senso
de que acompanhamos o fluxo de consciência do realizador enquanto ele reflete
sobre amizade e conexões afetivas.
Alma que mora em dois corpos
O ponto de partida do filme é a
mudança do diretor para o Uruguai e durante a viagem ele capta imagens de um
dos amigos que o ajuda na mudança. Em seu novo lar ele examina imagens antigas,
registradas em diferentes mídias, para refletir sobre o papel da amizade em sua
vida. A narração do diretor ajuda a dar unidade a esses fragmentos de memória
plasmados em imagem nos mostrando essas cenas de interação entre ele e as
pessoas próximas para refletir como essas conexões e afetos são importantes em
sua vida. Sem a narração essas imagens bastante pessoais e descontextualizadas,
que provavelmente não significariam nada para alguém que não está inserido
nesse círculo de amizade.
Os Estados Unidos tem uma imensa
dívida histórica com a população indígena por conta do genocídio dos povos, da
tomada de terras, das políticas excludentes e tantas outras ações que visavam o
extermínio ou aculturação desses povos. O documentário Sugarcane: Sombras de um Colégio Interno mostra mais uma faceta
sombria desse genocídio étnico perpetrado em territórios dos EUA e do Canadá,
dessa vez com a cumplicidade da Igreja Católica.
Missão de extermínio
O documentário é focado no caso
de uma Escola Missionária localizada na reserva indígena de Sugarcane. A escola
era apenas uma dentre muitas escolas missionárias pensadas para “resolver” a
“questão indígena”. Ao longo de décadas vários bebês e crianças foram mortos
dentro da escola e dezenas de alunos internos foram abusados física e
sexualmente pelos padres que ensinavam no local.
Qual a relação entre músicos de
jazz dos Estados Unidos, processos de independência na África e um golpe de
estado no Congo durante a década de sessenta? Se esses elementos soam
desconectados, o documentário Trilha
Sonora Para um Golpe de Estado vai mostrar de maneira contundente como eles
estão interligados.
Colonialismo e neocolonialismo
O documentário parte de excursões
feitas por Louis Armstrong e sua banda a diversos países africanos ao longo das
décadas de 1950 e 1960. Nomeado “embaixador do jazz” essas viagens eram
promovidas por fundações culturais focadas da promoção da cultura negra nos EUA
e estabelecer diálogos com os países africanos. O que Armstrong e outros
músicos como Nina Simone ou Duke Ellington não sabiam é que essas instituições
eram fachada da CIA, a agência de inteligência do governo dos EUA.
É possível que você já tenha
visto alguma coisa sobre Bryan Johnson, o milionário estadunidense que está
torrando milhões da própria fortuna em métodos antienvelhecimento. Este
documentário O Homem Que Quer Viver Para
Sempre conta a história de Bryan. Poderia ser um estudo de personagem
interessante, entender o que move alguém a fazer algo tão extremo com o próprio
corpo ou mesmo trazer alguma discussão mais científica e consistente sobre o tema.
O filme não faz nada disso.
Who wants to live forever?
Centrado na figura de Bryan, o
documentário tem como fontes o próprio protagonista e pessoas que trabalham
diretamente com ele, como sua assistente de marketing. Isso torna boa parte dos
depoimentos sobre os supostos resultados que ele tem pouco confiáveis e, na
maioria dos casos, resultados como baixa de colesterol, sódio e níveis ideais
de vitaminas poderia simplesmente ser obtido com uma boa alimentação e
exercícios regulares, sem a necessidade de métodos nas bordas da ciência ou
tomar mais de cem comprimidos por dia.
Focado na luta do movimento
seringueiro do Acre, o documentário Empate
explora o passado e o presente dessa luta e da figura de Chico Mendes como
principal mobilizadora desses trabalhadores em prol da proteção das matas. O
filme acompanha algumas das principais vozes do movimento, praticamente todos
atuaram ao lado de Mendes até ele ser assassinado, para compreender como eles
se organizaram e o que vem pela frente.
Passado de luta
O filme começa com imagens de
arquivo, mostrando entrevistas de Chico Mendes enquanto ele narra a situação
com fazendeiros no Acre e a necessidade de evitar o desmatamento. O
documentário intercala imagens de arquivo com entrevistas e imagens do presente
acompanhando lideranças do movimento. É um produto de natureza mais expositiva,
que visa informar o espectador sobre quem foi Chico Mendes, a pauta do
movimento, suas conquistas e os problemas atuais da causa.
É curioso como só conhecemos
certas facetas de entes queridos depois que eles falecem. O documentário A Extraordinária Vida de Ibelin explora
esse sentimento ao contar a história de Mats Steen, um jovem norueguês que
morreu aos vinte e poucos anos por conta de uma doença muscular degenerativa.
Seus pais achavam que a vida dele tinha sido só sofrimento por conta de seus
problemas de saúde e de estar preso em uma cadeira de rodas, conseguindo mexer
apenas os dedos, mas depois de seu falecimento descobriram que ele tinha uma
enorme rede de amigos, paixões e apoiadores dentro do jogo World of Warcraft e perceberam que a vida do filho não tinha sido
tão solitária quanto pensavam ser.
Um dos atores de carreira mais
longeva e marcante na dramaturgia brasileira, Grande Otelo, nome artístico de Sebastião
Bernardes de Souza Prata, demorou para ter o devido reconhecimento. Parte disso
se deve ao racismo da época em que ele atuou, parte por sua trajetória ser
muito marcada pela comédia, um gênero muitas vezes considerado “menos artístico”
ou “menos sofisticado”. O documentário Othelo:
O Grande reconta a trajetória do ator, suas dificuldades, seus triunfos e
seu ativismo político.
Memória audiovisual
A narrativa é toda contada através
de imagens de arquivo, usando produções das quais Otelo participou e também
várias entrevistas e discursos públicos que o ator deu ao longo de sua carreira.
A pesquisa de arquivo é a principal força do filme trazendo imagens raras e em
ótima qualidade de trabalhos antigos, como o Moleque Tião ou suas comédias para
a Atlântida, que quase sempre encontramos em qualidade ruim pela internet.
A pesquisa de arquivo também é
eficiente nas falas que traz do ator, com ele trazendo desde seus
posicionamentos, denunciando o racismo ao longo de sua trajetória, narrando experiências
com diretores renomados, como a impagável fala em que conta como foi trabalhar
com Werner Herzog em Fitzcarraldo (1982),
e também refletindo sobre a natureza da dramaturgia brasileira nos palcos, no
cinema e na televisão. Há uma fala interessante de Grande Otelo sobre o Cinema
Novo em que ele pondera que o fato do movimento nunca ter atingido as massas
como almejavam seus agitadores provavelmente se relacionava com a linguagem
experimental de seus filmes, mencionando como uma produção como Macunaíma (1969) teve penetração junto
ao público justamente por ter uma linguagem mais próxima das comédias populares
de sua época.
Otelo e o cinema brasileiro
Nesse sentido, conhecer a
história de Grande Otelo é também conhecer a história do teatro e do
audiovisual brasileiro, considerando a longevidade de sua trajetória e a
amplitude de diretores e movimentos com os quais colaborou. Vemos o histórico
de racismo na dramaturgia onde até mesmo alguém da competência de Grande Otelo
tinha dificuldade em conseguir trabalho porque papéis negros eram interpretados
por brancos em blackface, algo que
Joel Zito Araújo também mostrou no documentário A Negação do Brasil (2001).
Acompanhando a trajetória de
Grande Otelo vemos a ascensão das chanchadas (não confundir com pornochanchadas)
da Atlântida em filmes como Carnaval Atlântida (1952). Testemunhamos o surgimento de diretores como Nelson
Pereira dos Santos, com quem Grande Otelo trabalhou em Rio, Zona Norte (1957) e a eclosão de vanguardas como o Cinema
Novo. Vemos o surgimento e a consolidação da televisão como meio de comunicação
de massa e sua difusão pelo país no trabalho de Grande Otelo em programas como A Escolinha do Professor Raimundo. Como
o filme nos mostra, conhecer Grande Otelo é conhecer o desenvolvimento do
audiovisual brasileiro.
Por outro lado, o documentário se
prende demais às convenções de um filme de arquivo, soando demasiadamente
expositivo e convencional para uma figura que não pode ser facilmente colocada
em caixinhas. Grande Otelo é uma figura complexa, multifacetada e bastante
singular. O filme transmite isso nas falas e depoimentos, mas fica a impressão de
que a forma, não apenas o conteúdo, poderia também ser usada para construir a
complexidade do biografado.
Mesmo nunca saindo das convenções
de um documentário de arquivo, Othelo: O
Grande envolve pela trajetória longeva do ator e como ela se mescla com o
desenvolvimento do cinema brasileiro.
Exploradores urbanos que invadem
arranha-céus e os escalam para chamar atenção existem há muito tempo, mas a
internet, redes sociais e a lógica de influencers digitais potencializaram
essas atividades ao tornar mais fácil ganhar visibilidade através delas. O
documentário Skywalkers: Uma História de
Amor conta a história de dois desses exploradores urbanos que viram nas
escaladas não apenas um meio de criarem arte, como se tornou um meio de se
encontrarem e se apaixonarem um pelo outro.
A narrativa segue os escaladores
Angela Nikolau e Ivan Beerkus, contando a história de como começaram a fazer
esse tipo de atividade e acompanhando seu maior empreendimento até então: serem
os primeiros a escalar um arranha-céu em Kuala Lumpur, Malásia, que seria o
maior da região. O início foca principalmente em Angela e como ter crescido no
circo com pais acrobatas a ensinou desde cedo a lidar com grandes alturas e
como ela se sente confortável nesses espaços, vendo-os como um lugar de
performance e não apenas como façanhas a serem alcançadas.
Baseado no livro de mesmo nome de Daniela Arbex, o
documentário Holocausto Brasileiro
foi lançado em 2016 e narra a chocante história real do hospital psiquiátrico
Colônia, localizado em Barbacena, interior de Minas Gerais. Em seus oitenta
anos de funcionamento o hospital abrigou milhares de pacientes, alguns que
sequer tinham problemas psiquiátricos, mas as condições desumanas do local
causaram a morte de mais de sessenta mil pessoas.
Estruturado ao redor de entrevistas e imagens de arquivo, o
documentário conta a história do hospital desde sua origem no início do século
XX, quando foi criado como um centro terapêutico para a elite carioca, e depois
quando se tornou um hospital psiquiátrico pertencente ao estado de Minas
Gerais. A partir daí vemos como o local se tornou um espaço de exclusão e
tormento no qual as autoridades não apenas aprisionavam pessoas com transtornos
mentais severos, mas também qualquer um que não tivesse para onde ir, como
crianças órfãs e pessoas em situação de rua. Todos os que estavam no hospital,
independente do diagnóstico, eram tratados como pacientes psiquiátricos,
recebendo uma medicação pesada e até tratamentos mais agressivos, como
eletrochoques.
Eu me lembro de acompanhar a ascensão e queda do Moviepass
enquanto acontecia. Um serviço de assinatura que lhe permitia assistir quantos
filmes quisesse nos cinemas parecia um sonho, mas desde a primeira vez que
soube do serviço ficou claro para mim que pagar dez dólares por mês para poder
assistir quantos filmes quisesse no cinema não era um modelo de negócios
sustentável para a empresa. Não à toa que em menos de um ano ela pediu falência
depois de tentar reestruturar o funcionamento do serviço sem, no entanto,
aumentar o preço. O que eu descobri ao assistir ao documentário da HBO Moviepass: A Última Sessão é que a queda
da empresa tem outras questões para além de um modelo de negócio obviamente
falho, com gestores picaretas e racismo corporativo.
Estruturalmente é um típico documentário que se desenvolve
ao redor de entrevistas e imagens de arquivo, sem muita ambição de arriscar
qualquer coisa diferente com o formato. Ainda assim, consegue manter o
espectador envolvido pelo modo como enquadra a narrativa. Seria fácil tratar a
história como simplesmente mais um negócio fracassado num período em que salas
de cinema tentam se adequar à competição com streaming e internet, porém, o roteiro encontra caminhos
interessantes para guiar a discussão, falando de preconceito e da dimensão
performática do empreendedorismo startupeiro que é tão presente na economia
atual.