terça-feira, 27 de maio de 2025

Crítica – The Last of Us: Segunda Temporada

 

Análise Crítica – The Last of Us: Segunda Temporada

Review – The Last of Us: Segunda Temporada
Depois de uma excelente primeira temporada que manteve a essência do primeiro game ao mesmo tempo em que expandiu alguns elementos do seu universo, The Last of Us chega a sua segunda temporada com um desafio ainda maior. O segundo game não é apenas mais longo e mais moralmente ambíguo, ele depende de muitos elementos específicos da linguagem dos games para construir sua reflexão sobre violência de maneira impactante.

Consequências violentas

A trama se passa alguns anos depois da temporada anterior. Ellie (Bella Ramsay) e Joel (Pedro Pascal) agora vivem na comunidade liderada por Tommy (Gabriel Luna). Apesar de seguros, Ellie e Joel estão distantes um do outro. Porém quando Joel é morto por Abby (Kaitlyn Dever) como vingança pelo que aconteceu no hospital dos Vaga-Lumes, Ellie decide partir em uma jornada de vingança, mesmo que isso contrarie os conselho da comunidade.

No game, o jogador é colocado para acompanhar duas personagens que cometem atos horrendos em nome do que consideram moralmente justificado e o jogador se torna cúmplice dessa violência ao guiar as personagens por esse percurso apenas para ter esse pedestal de superioridade moral derrubado. Era uma reflexão sobre o ódio e o perigo de reduzir tudo que fazemos a uma narrativa simples de heróis e vilões. Numa série, no entanto, o espectador é menos ativo no modo como a trama transcorre, então a questão era de que maneira a série lidaria com algo que nos games é deixado para o jogador refletir.

Os problemas da segunda temporada em parte nascem disso. Tudo é presumido, o espectador é constantemente guiado no que pensar e, por vezes, certas ações mais monstruosas das personagens são suavizadas por conta disso. Sim, eu sei que é uma adaptação e que mudanças são inevitáveis, mas em alguns casos certas produções culturais extraem sua força expressiva de elementos próprios da linguagem para qual foram criados e isso era bem evidente em The Last of Us Part II.

Já no segundo episódio, o modo como Abby causa uma avalanche que manda uma horda de infectados para a comunidade onde Tommy e os demais vivem causando várias mortes (algo que não estava presente no jogo) já é uma metáfora pouco sutil para o comportamento destrutivo dela e o quanto ela está disposta a ir em nome de sua vingança sem se importar com as consequências. Por outro lado, quando Ellie mata dois membros da equipe de Abby no último episódio, o evento não é enquadrado como fruto da crueldade dela, mas como uma terrível tragédia já que ela apenas estaria tentando se proteger quando um deles sacou a arma. É inclusive estranho o modo como Ellie age quando a grávida pede para que ela abra sua barriga e tente salvar o bebê. Sim, Ellie provavelmente não entenderia o linguajar técnico da personagem, mas considerando as circunstâncias e o fato de que ela não teria nada a perder, ela poderia simplesmente tentar abrir o ventre da mulher e ver se conseguiria. A recusa dela em fazer até mesmo isso é enquadrada pela narrativa como se ela apenas estivesse assustada e não como uma saída covarde e desumana para alguém que se julga melhor do que aqueles que persegue.

Vivendo no apocalipse

Isso não significa, no entanto, que a série não faça algumas escolhas interessantes. A primeira delas é dar o devido tempo para que a morte de Joel seja sentida, acompanhando como a comunidade reage a esses eventos para que percebamos o quanto Joel era importante para o resto do local e não apenas para Ellie. Do mesmo modo, a série amplia a relação entre Joel e Dina (Isabela Merced), dando a ela uma motivação pessoal para ir junto com Ellie e não apenas por ser um interesse amoroso.

Outro acerto é o flashback da juventude de Joel, que traz um novo contexto para sua relação de pai e filha com Ellie. De certo modo, a conexão que ele cria com a garota é fruto da perda de sua filha no início da crise envolvendo o fungo, mas ao vermos sua relação e a criação violenta que ele teve, ainda que seu pai tentasse fazer as coisas diferentes, comunica sobre todos os gestos de afeto que Joel faz em relação a Ellie. Sim, ele é uma pessoa violenta, fruto de uma vida violenta e talvez tenha um complexo de salvador, mas no trato com Ellie ele tentou dar a ela uma criação afetuosa que nunca teve, prestando atenção nos desejos e gostos dela para fazê-la feliz.

Pedro Pascal e Bella Ramsay continuam ótimos juntos e as cenas dos aniversários mostram como eles poderiam ter vivido felizes se não houvesse violência e segredos entre eles. Era evidente desde o fim da primeira temporada que Ellie desconfiava da versão de Joel para o que aconteceu no hospital e ao longo do tempo vemos como essa desconfiança cresce. Quando ela conta para terapeuta a verdade do que Joel fez a seu marido, Ellie não está necessariamente querendo causar sofrimento à terapeuta, o que ela quer é punir Joel por quebrar o juramento que fez e já externando que não acredita mais no que ele falou sobre os Vaga-Lumes.

Nesse sentido poderia parecer contraditório que Ellie continue perseguindo Abby mesmo sabendo que ela tinha um motivo para fazer o que fez, mas a verdade é que Ellie embarca nessa jornada não apenas por Joel e sim por si mesma. Como ela mesma diz na conversa com Joel, ele tê-la salvado tirou seu propósito. Ela estava disposta a ser a cura, a morrer por isso, pautou sua existência nisso e Joel a deixou sem nada. Ela se vê com uma vida pela frente e sem nada para dar sentido a ela. Assim, a vingança se torna seu novo propósito, uma maneira de preencher o vazio que sente. Bella Ramsey é competente em nos fazer sentir o desamparo de Ellie, alguém que perdeu tudo e todos, perdeu sua missão de vida e que agora não tem mais nada a perder. Seu ódio é tudo que tem e ela se apega ele como se precisasse dele para viver.

É uma pena, portanto, que a trama tire tanto a agência de Ellie em relação à violência que ela comete, constantemente fazendo esses atos soarem trágicos ou que ela não tinha escolha ao invés de enquadrá-los como monstruosos. Tudo bem que ela não tem o mesmo estômago que Joel tinha para a violência, algo evidente pela fala dela depois de torturar alguém pela primeira vez, mas ela também não é livre de crueldade.

O final da temporada acaba com um grande gancho que provavelmente vai demorar a ser resolvido. Digo isso não só pelo tempo entre as temporadas (é bem possível que leve outros dois anos), mas pela cena final voltar no tempo para mostrar tudo de novo agora sob a perspectiva da Abby. Sim, ver a história sob o olhar dela era algo que já estava no game e guinada de perspectiva lá servia como um exercício radical de empatia. Aqui, no entanto, já conhecemos o que move Abby desde o primeiro episódio e o segundo episódio já tinha assumido um ponto de vista onisciente ao se dividir entre Abby e Ellie. Assim, a série poderia ter desde o início se dividido entre as duas ao invés de contar tudo sob uma perspectiva e depois voltar para recontar sob outro olhar. Claro, é possível que eu esteja errado e essa escolha funcione muito bem, mas enquanto um final de temporada que vai deixar o espectador em suspense por um bom tempo, essa escolha parece mais algo pensado para chocar do que para contribuir com os temas centrais da série.

Mesmo que execute bem alguns momentos-chave do jogo, como a morte de Joel, e fazer algumas boas escolhas em relação a adição de novos elementos, essa segunda temporada de The Last of Us peca por deixar de lado muito da ambiguidade do original e fazer mais presunções sobre como o espectador deveria se sentir em relação a toda violência narrada.

 

Nota: 6/10


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