terça-feira, 29 de abril de 2025

Crítica – Black Mirror: 7ª Temporada

Análise Crítica – Black Mirror: 7ª Temporada

Review – Black Mirror: 7ª Temporada
Depois de uma fraca sexta temporada não pensei que Black Mirror fosse retornar para mais um conjunto de episódios. Esta sétima temporada é um pouco melhor que a anterior, mas deixa a impressão de que a série está se repetindo e não tem muito mais a dizer. Assim como na temporada anterior, por sinal, em alguns episódios a questão da tecnologia chega a ser até marginal para as narrativas.

Vida precarizada

O primeiro episódio é, talvez, o melhor dessa nova leva. O casal Mike (Chris O’Dowd) e Amanda (Rashida Jones) se vê com uma grande despesa médica quando ela passa a ser dependente de um dispositivo tecnológico para se manter viva. O problema é que a empresa que faz o dispositivo está sempre piorando seu serviço para oferecer pacotes mais caros que são vendidos como melhorias, mas que na prática só entregam o mesmo básico de antes.

É uma reflexão sobre aquilo que o escritor Cory Doctorow chamou de “enshittification” (algo como “merdificação” em português) quando uma empresa piora deliberadamente seu produto/serviço para depois cobrar mais caro para resolver o problema que ela mesma criou e assim aumentar suas margens de lucro sem precisar oferecer nada de novo. É possível estabelecer uma relação entre a história do casal e a piora dos próprios serviços de streaming ou a precarização dos planos de saúde, que cobram cada vez mais oferecendo cada vez menos. O’Dowd e Jones desenvolvem de maneira tocante a dor de um casal que é forçado a trabalhar cada vez mais só para continuar vivendo, sendo obrigados a abrir mão dos próprios sonhos.

A força emocional do casal nos mantem investidos na história, mesmo quando o episódio não tem muito a dizer sobre seus fenômenos. Em Eu, Daniel Blake (2016) Ken Loach trabalhou de modo mais consistente a precarização da saúde, enquanto que a série Upload (2020 -) discorreu melhor sobre o encarecimento de serviços digitais e como eles, que deveriam resolver problemas, replicam a mesma lógica desigual do capitalismo. O arco do personagem de O’Dowd se submetendo a várias humilhações na internet para tentar arrecadar dinheiro tenta comentar sobre como influencers se tornam reféns de sua audiência, mas não tem muito o que dizer.

O segundo episódio é até competente em criar um clima de paranoia e suspense em cima de sua narrativa sobre Efeito Mandela, mas derrapa em um desfecho toda questão sobre tecnologia, memória e senso de realidade não vai para lugar algum. O dispositivo da vilã poderia ser um objeto mágico que não faria qualquer diferença. O terceiro episódio tenta comentar sobre o uso de IA na indústria do cinema e a tendência dela em se apegar a constantes remakes. Issa Rae faz uma atriz colocada em uma realidade virtual para refazer um filme antigo que remete a algo como Casablanca (1942). Com o tempo, ela se apaixona pelo construto virtual da atriz do filme original e aí a trama se torna quase que uma reprodução do episódio San Junipero da terceira temporada ao narrar um romance lésbico florescendo em uma realidade virtual.

Existência virtualizada

O quarto episódio traz de volta o personagem de Will Poulter no episódio interativo Bandersnatch para contar a história de um jornalista que recebe uma demo do novo jogo criado por Poulter e se torna obcecado por ele. No jogo, o protagonista precisa cuidar de um grupo de criaturinhas virtuais que iriam aprender com o usuário e se tornariam mais sofisticadas com o tempo. O protagonista passa a entender a linguagem rudimentar dos bichinhos virtuais e se apega a eles, fazendo melhorias em seu computador para permitir que as criaturas continuem evoluindo.O episódio parece querer falar sobre vício em games e como as pessoas se perdem nesses espaços virtuais ou sobre “pais de pet” que tratam seus bichos como gente. No fim das contas, no entanto, é só uma história de possessão na qual as criaturas virtuais poderiam ser trocadas por algo sobrematural, por exemplo que não faria diferença.

O quinto episódio traz Paul Giamatti como um sujeito solitário que recebe a notícia de que uma antiga namorada e grande amor de sua vida faleceu. A filha dela a convida para o funeral e ele usa uma IA para reavivar memórias da ex para fazer uma homenagem fúnebre. No processo ele desenterra mágoas antigas e percebe equívocos no modo como se recordava de algumas coisas. Conceitualmente é similar ao episódio The Entire History of You ao pensar na tecnologia como expansão da nossa cognição e memória, mas com um olhar mais otimista em relação a isso. Quem carrega o episódio é Giamatti que vai da dor ao ressentimento conforme revisita antigas mágoas até perceber os próprios erros e seu amargor dá lugar ao arrependimento conforme ele percebe que tudo poderia ter sido diferente.

O sexto e último episódio é uma continuação direta do episódio USS Callister. Depois de se libertarem do controle tirânico Robert (Jesse Plemons), a equipe liderada por Nanette (Cristin Milioti) está presa no servidor público do jogo, precisando lutar pela própria sobrevivência em meio a um ambiente de jogadores hostis. É uma aventura competente e com bom manejo da tensão, ainda que algumas de suas reviravoltas sejam previsíveis. Por outro lado, sua tentativa de discutir a ética dos usos de inteligência artificial não sai da superfície e a abordagem sobre masculinidade tóxica e o ideal equivocado de “cara legal” que emerge do confronto entre Nanette e a IA de Robert só repete ideias que já vimos em USS Callister.

Apesar de um bom primeiro episódio e outros carregados por boas interpretações, no geral a sétima temporada de Black Mirror não consegue ir além de uma repetição de ideias que já trabalhou antes.

 

Nota: 7/10


Trailer

Nenhum comentário: