Perdedor longe de casa
A narrativa é protagonizada por Lorde Doyle (Colin Farrell), um jogador inveterado que vive em Macau apostando alto nos cassinos. Ele vem numa maré de azar e suas dívidas estão se acumulando. As coisas pioram quando a investigadora britânica Blithe (Tilda Swinton) o encontra, trazendo consigo o passado do qual Doyle queria escapar. Com dívidas sendo cobradas de várias direções e sem conseguir crédito em lugar nenhum, ele acaba recorrendo à agiota Dao Ming (Fala Chen). Os dois se conectam por serem pessoas cheias de arrependimento e em busca de redenção, mas talvez essa conexão não seja suficiente para salvar nenhum deles.
Colin Farrell faz de Doyle um sujeito que tenta projetar altivez e confiança, mas diante das constantes negativas e recusas de ambientes mais de elite é evidente que ele não é o aristocrata que tenta agir como se fosse e que não passa de uma fraude. Por mais que tente manter a pose, Doyle deixa visível o desespero de alguém que sabe que está ficando sem opções e, como qualquer adicto, só pensa em uma maneira de continuar sustentando seu vício. O ator, no entanto, dá a Doyle alguma medida de vulnerabilidade. Ele tem consciência de seus pecados e busca algum tipo de redenção embora não consiga conter seus piores impulsos.
Essa mesma vulnerabilidade está presente nas figuras ao redor dele. Seja no modo como Dao Ming ressente seu estilo de vida predatório, principalmente depois de ver um “cliente” se suicidar, e também seus erros passados, seja na investigadora vivida por Tilda Swinton que parece lidar com seus próprios remorsos. Em um mundo de luxos superficiais e que todos tentam aparentar algo que não são esses personagens transitam por esse universo com relativa melancolia, como que fartos desses jogos de aparência e de viver em fuga, tentando preencher um vazio que aquele estilo de vida não tem como preencher.
Cidade fantasma
Vemos isso na cena em que Doyle come compulsivamente em seu quarto de hotel depois de uma onda de vitórias. Enquanto ele devora a comida com uma intensidade insana, sem sequer parecer degustar aquelas iguarias chiques, ouvimos a Tocata e Fuga de Bach com seus acordes fantasmagóricos de órgão fazendo tudo soar ainda mais assombroso e pontuando que toda aquela conduta é uma tentativa de Doyle em fugir da realidade de quem é e do que faz, tentando usar os luxos para aplacar seu vazio, sua culpa e seu pavor existencial.
Esse aspecto fantasmagórico também está presente no modo como o diretor Edward Berger (de Conclave e Nada Novo no Front) filma as paisagens urbanas de Macau. Os grandes cassinos e ruas são constantemente banhados por luzes neon que em muitos momentos são a única fonte de luz. Esses tons neons intensos em contraste com sombras fornecem um caráter sobrenatural a esses espaços, como se aquilo fosse um purgatório ou um delírio febril, um espaço que existe na interseção da realidade com o sobrenatural ou o psicológico.
Berger também é eficiente em construir um crescente de tensão em torno de Doyle. Desde as primeiras cenas sentimos como se as paredes estivessem se fechando e o chão se abrindo ao redor do protagonista e conforme acompanhamos suas negativas e fracassos há um senso crescente de risco que acompanha o personagem principalmente na mesa de jogo. As partidas do tipo específico de bacará que são jogadas são naturalmente velozes, mas a maneira como Berger edita opera em um paradoxo. Ao mesmo tempo em que dá essa sensação de velocidade na qual fortunas podem ser feitas ou perdidas em um piscar de olhos, a edição também dilata o tempo de modo que o instante em que Doyle checa as cartas e o tempo até os adversários revelarem suas cartas parecem demorar bem mais do que realmente levam.
É só nos momentos em que o protagonista está ao lado de Dao Ming é que temos a sensação de que a urgência arrefece um pouco, como se eles fossem o porto seguro um do outro. Incomoda, porém, o sentimento que o arco de Dao Ming funciona mais como um meio de impulsionar a narrativa do protagonista do que como uma personagem autônoma, colocando a personagem asiática como uma mera escada no processo de redenção desse homem branco.
A reviravolta final envolvendo Dao Ming é facilmente previsível, mas não deixa de ser relativamente impactante quando acontece por estarmos investidos naqueles dois personagens e pelo modo com o qual Farrell nos transmite os sentimentos avassaladores de seu personagem ao descobrir o que de fato aconteceu. O ator convence de que tudo aquilo é tão doloroso e dramático para Doyle ao ponto de justificar sua atitude final.
Mesmo sendo um pouco previsível, Balada de um Jogador ao menos entrega um
competente estudo de personagem por conta do trabalho de Colin Farrell e da
condução da tensão na mesa de jogo.
Nota: 7/10
Trailer


Nenhum comentário:
Postar um comentário