quinta-feira, 5 de junho de 2025

Crítica – Sereias

 

Análise Crítica – Sereias

Review – Sereias
A minissérie Sereias é um novelão. Digo isso não em um sentido perjorativo, já que sua abordagem novelesca, cheia de excessos e histrionismos é parte do que a torna divertida, no entanto, sei que muita gente não se atrai por esse tipo de produto. Por isso aviso logo que se algo com uma pegada novelesca não é a sua praia, você talvez não se atraia pela série. Aviso que o texto contem SPOILERS da série.

O canto da sereia

A trama é centrada em Devon (Meghann Fahy), uma mulher que abriu mão de muita coisa na vida para cuidar da irmã mais nova depois do falecimento da mãe e agora tem que cuidar do pai que está em estado avançado de demência. Não conseguindo lidar sozinha com a responsabilidade, ela tenta contato com a irmã mais nova, Simone (Milly Alcock), que a ignora. Devon decide então ir até onde a irmã está, uma luxuosa casa de veraneio em uma ilha habitada por ricaços na qual Simone trabalha como assistente pessoal de Michaela (Julianne Moore), a esposa filantropa do bilionário Peter Kell (Kevin Bacon). Lá vê uma estranha relação de co-dependência entre Michaela e Simone, decidindo tirar a irmã dali, mas logo a própria Devon é puxada para a órbita de Michaela.

Julianne Moore dá a Michaela uma espécie de qualidade etérea, como se ela fosse alguém dotada de um magnetismo sobrenatural, capaz de manter as pessoas interessadas nela ou se conectar com os outros com extrema facilidade. Esse elemento etéreo é também reforçado pelos figurinos esvoaçantes que a personagem usa e o modo como Moore fala como se ela estivesse em outro estado de consciência. Claro, esse magnetismo é usado por ela em seu favor, para conseguir que todos ao seu redor dancem conforme a sua música e façam o que ela deseja, removendo qualquer um que se mostre um obstáculo para o que ela deseja, como Devon se colocando no caminho entre ela e Simone. Nesse sentido, Moore consegue dar a Michaela ambiguidade o suficiente para tornar crível que os boatos que Devon ouve a respeito dela envolvendo assassinatos e cultos possam ser verdade.

É fácil ver porque Michaela logo soa como a principal antagonista, seja por conta de sua oposição de socialite aparentemente perfeita com a complicada e batalhadora Devon, seja pelo modo como Simone parece ser ingênua ou deslumbrada demais para perceber que viver como uma serva vinte e quatro horas por dia não é saudável independente da riqueza ou glamour à sua volta.

Rivalidade feminina

De início parece uma trama bem folhetinesca, aderindo a elementos conhecidos de drama familiar, uma vilã poderosa e influente, uma protagonista correta e uma jovem ingênua. Conforme a narrativa avança, no entanto, cada um desses personagens vai ganhando mais camadas e as coisas vão se tornando mais complicadas.

Se de início Michaela parece não ser mais do que uma dondoca escrota, que manipula até o próprio marido para conseguir o que deseja, aos poucos vemos que as coisas não são bem assim e que Peter a controla tanto quanto ela controla aqueles ao seu redor. Presa em um contrato pré-nupcial que a deixaria sem nada a menos que ela desse filhos a Peter, algo que ela nunca conseguiu, ela se vê sem escolha a continuar na relação a despeito do claro ressentimento que há entre ela e Peter simplesmente porque ela não conseguiria manter seu trabalho de preservação ambiental. Ela é como um peixe em um aquário dourado, confinada em um espaço de luxo e ciente de que o marido pode descartá-la por uma mulher mais nova e deixá-la sem nada assim como fez com a esposa que veio antes dela. Sua sanha por controle é quase uma tentativa de compensar a falta real de controle que ela tem por seu destino.

Ao mesmo tempo, conforme aprendemos mais sobre Simone, vemos como ela não é só uma jovem ingênua, mas uma astuta alpinista social. Nos primeiros episódios parece que ela está sendo usada por Ethan (Glenn Howerton), um dos vizinhos ricos dos Kell, e que ele irá terminar o romance com ela ao fim do verão, mas logo vemos como ela conseguiu enredar o ricaço em torno de si e como é ela quem o descarta facilmente no momento em que vê uma perspectiva melhor de homem rico. Howerton por sinal é ótimo em construir Ethan como um sujeito patético completamente absorvido por esse romance com uma mulher mais nova. A narrativa oferece alguns momentos de humor em sua tentativa de satirizar os excessos e as hipocrisias dos mais ricos, embora suas observações sobre essas vidas de opulência não sejam tão mordazes quanto o texto pensa que é, muitas vezes faltando contundência no modo como critica o estilo de vida dos super ricos e como eles tratam seus funcionários.

Seria fácil levar o conflito na direção da rivalidade entre essas três mulheres, Michaela, Devon e Simone, mas o texto é esperto para ponderar o que há por trás da construção dessa rivalidade e a quem ela serve. Assim, o que era um conflito de classe se torna um conflito de gênero conforme Devon percebe que Peter estava manobrando todas as três o tempo todo. Ao tentarem sabotar umas as outras, elas dão a ele exatamente o que ele queria e no fim Michaela e Devon terminam sem nada, mostrando como o fomento de rivalidades entre mulheres é algo que serve aos homens e permite que eles mantenham o controle. Peter consegue uma nova esposa troféu que está deslumbrada demais para lhe dar a dor de cabeça que Michaela lhe dava e ainda consegue afastar Simone de Devon ao mostrar para Devon quem a irmã de fato é. Tudo mudou na vida dessas três mulheres para que a vida desse homem continuasse exatamente a mesma.

Assim, ainda que a crítica social empreendida por Sereias nem sempre tenha a força que a série pensa ter, ao menos consegue entregar humor e intriga suficientes para sustentar seus cinco episódios, conseguindo em seu episódio final virar do avesso as expectativas que criou ao usar sua trama para refletir sobre quem ganha com a construção de rivalidades femininas.

 

Nota: 7/10


Trailer

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